Estudo No. 01 sobre a obra Os Filhos do Governo, de Roberto da Silva

Autor: Adriana de Melo Nunes Martorelli Advogada. Especialista em Direitos Humanos FDUSP, em Direito Ambiental FSPUSP, Doutora IPQ-USP e Pós doutora FEUSP, Professora do Curso de Segurança Pública da Faculdade VP.

1.Apresentação

Este primeiro escrito é baseado na obra OS FILHOS DO GOVERNO, tese de doutoramento do Professor Roberto da Silva, Livre docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, que, de uma primeira infância nas ruas com a mãe e três irmãos, dos três anos de vida até a fase adulta, passou adentrando e saindo de instituições assistências e punitivas do governo, história de vida a partir da qual, utilizada como metodologia de pesquisa,  pode traçar o que denominou “a formação da identidade criminosa em criança órfãs e abandonadas”.  

Logo na apresentação, a pesquisadora Angelina Peralva (SILVA,1998; p.10), levantando uma questão “que permanece latente”, pergunta:

…uma questão a seu respeito permanece latente: como um egresso da Febem e do sistema penitenciário paulista – alguém que, segundo ideias hoje amplamente compartilhadas em nossa sociedade, é visto como vítima do Estado Brasileiro – pôde desenvolver trabalho acadêmico significativo, acolhido por uma boa Universíade, e tendo como objeto a própria história de vida? Vítima escrevem teses?”

Segundo responde para si mesma:

“A condição para que algo assim ocorra, para que uma história de vida se transforme em objeto cultural, é que no curso dessa história o sujeito que habita cada indivíduo, não tenha sido destruído.” (SILVA,1998; p.10)

2.Trajetória de vida como metodologia de pesquisa

A busca cientifica sobre sua trajetória de vida que foi possibilitada à Roberto da Silva no espaço da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, resultou em material produto de análise sobre as condições das instituições paulistas, destinadas ao abrigamento e cuidado das crianças órfãs e abandonadas sob a tutela do Estado, no decorrer do Governo Militar?

3. Contexto histórico em que se deram as fases de enfrentamento do abandono de crianças e adolescentes

Apresentando o contexto histórico no qual crianças tuteladas pelo Governo e institucionalizadas desde tenra idade, seguiram carreira delinquente, o estudo científico sistematiza a “evolução do pensamento assistencial brasileiro”, que ocorreu em “fases bem distintas”, como menciona o autor (SILVA,1988; p.34), aqui resumidos em:

  1. fase filantrópica, ocorrida entre 1500 e 1874, baseada no modelo português, no qual, por meio de Rodas dos Expostos instaladas nas Santas Casas de Misericórdia, crianças indesejadas eram recebidas e realocadas em famílias beneméritas.
  1. A fase filantrópico-higienista, foi marcada pela intensificação da imigração estrangeira entre os anos de 1874 e 1922, período no qual foram necessárias tomada de rígidas medidas sanitárias para controle de epidemias, que incluíram reordenação de espaços públicos ( escolas, internatos e prisões), novas legislações estadual e municipais que sobrepunham a medicina ao direito,  cabendo às amas de leite o cuidado para com aqueles oriundos das Rodas dos Expostos, sendo contratadas pelo poder público para acolher, amamentar e destinar as criança abandonada à alguma  família benemérita  ou, em caso de morte, providenciar fosse um destino aos restos mortais do infante.
  2. Entre os anos de 1924 e 1964, com a entrada em vigor do Código de Menores, o Estado passou a ser responsável legal pela tutela da criança órfã e abandonada. A Roda dos Expostos foi desativada, houve regulamentação para atuação do Poder Judiciário, do Juizado de Menores e demais instituições vinculadas, medidas que reduziram significativamente as condições de abandono de um modo geral, passando o foco da assistência à criança abandonada sob a Tutela Estatal, aprender ofício que o capacite ao trabalho.
  1. Entre 1964 e 1990, período INSTITUCIONAL (SILVA, 1998, p.35|), dentro do contexto da Doutrina de Segurança Nacional, foram criadas as Fundações de Bem-estar do Menor – FUNABEM – âmbito federal e FEBEM, âmbito estadual, assim como entrou em vigor o segundo Código de Menores, num momento em que havia forte tendencia à implementação de disciplina militar que vigorava dentro das unidades de internação dos menores abandonados, ou “situação irregular”.
  1. Em 1990, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação protetiva da infância, adolescência  juventude, decorrente de lutas sociais travadas em solo nacional e internacional, para construção de uma cidadania abraçada à Constituição Federal garantista, que instituiu uma nação democrática na qual a sociedade civil é responsável, ao lado do Estado, pela gestão dos problemas sociais, incluindo crianças e adolescentes em condição de vulnerabilidade social, começa a DESINSTITUCIONALIZAÇÃO, processo no qual a presença dos direitos humanos se faz plena, dinamizada pela atuação dos Conselhos Tutelares.

Conclusão

               O estudo paulatino da obra Os Filhos do Governo, em muito contribuirá para que o estudioso da temática da infância, adolescência e juventude possa se situar, no tempo e no espaço, quanto a conhecer as políticas públicas decorrentes dos períodos históricos. Pois, sabendo de onde viemos como sociedade, podemos nos direcionar melhor para o futuro, adotando no presente as boas práticas em gestão, que sejam capazes de efetivar garantias previstas na Doutrina de Proteção Integral da Criança e do Adolescente brasileiro.

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