
Autora: Nohara Paschoal – Advogada. Mestre em Direito Penal pela USP. Sócia da Paschoal Advogados. Professora do Curso de Segurança Pública da Faculdade VP.
A recente alteração no Código Penal, promovida pela Lei nº 15.160/2025, representou um marco no endurecimento da resposta estatal a crimes sexuais praticados em detrimento de mulheres, ao vedar a aplicação de dois benefícios penais tradicionalmente concedidos em função da idade do agente, quais sejam, a atenuante genérica e a redução do prazo prescricional.
Com efeito, o Código Penal, em seu artigo 65, inciso I, prevê uma circunstância atenuante de pena de caráter genérico. Tradicionalmente, de caráter obrigatória quando o agente, ao tempo do crime, fosse menor de 21 (vinte e um) anos ou, na data da sentença, fosse maior de 70 (setenta) anos.
Com a nova lei, o dispositivo foi alterado para incluir uma ressalva expressa. Agora, a atenuante não será aplicada nos casos em que o crime envolver violência sexual contra a mulher.
“Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I – ser o agente menor de 21 (vinte e um) anos, na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença, salvo se o crime envolver violência sexual contra a mulher;”
Outra mudança foi a alteração do artigo 115 do Código Penal, que trata da redução dos prazos de prescrição. A prescrição é a perda do direito de punir do Estado devido ao decurso do tempo, sendo um instituto fundamental do Direito Penal.
Anteriormente, o prazo prescricional era reduzido pela metade quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos. A redução visava, de maneira análoga à atenuante, beneficiar o agente jovem ou idoso com um prazo menor para que o Estado concluísse a persecução penal.
Com a reforma, o benefício da redução do prazo prescricional também foi expressamente excluído para os crimes sexuais contra a mulher.
“Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos, salvo se o crime envolver violência sexual contra a mulher.”
Embora amplamente elogiada por grupos de defesa dos direitos das mulheres, toda alteração que restringe direitos e benefícios penais é passível de críticas e questionamentos sob a ótica da dogmática e dos princípios do Direito Penal.
As principais críticas levantadas a essa alteração focam em princípios como a individualização da pena e a isonomia.
A menoridade relativa (menor de 21 anos) é um fator que, em tese, demonstra um grau de imaturidade ou formação incompleta da personalidade, o que deveria refletir em uma menor culpabilidade do jovem agressor. Ao vedar essa atenuante especificamente para crimes sexuais contra a mulher, a lei ignora essa diminuição de culpabilidade, tratando o jovem de 18 a 21 anos que comete esse crime com o mesmo rigor de um adulto, mas mantendo o benefício para ele em outros crimes, ainda que graves. Uma possível contradição do sistema.
Da mesma forma, a atenuante para o maior de 70 anos baseia-se em uma política de humanização da pena, considerando a menor necessidade de ressocialização e a maior vulnerabilidade do idoso no ambiente prisional.
Por outro lado, questiona-se a isonomia de tratamento, uma vez que o veto aos benefícios da redução da pena e do prazo prescricional, por força da idade do agente, ocorre apenas quando a vítima do crime sexual for mulher.
Cabe ainda destacar a inexistência de estudos estatísticos públicos e abrangentes no Brasil que detalhem o perfil etário exato dos agressores sexuais contra mulheres, isolando as faixas etárias de menos de 21 anos e mais de 70 anos. Ou seja, não há indicativos de que há maior prevalência de agressores sexuais nessas faixas etárias, o que pode reforçar a ideia do caráter meramente simbólico da alteração legislativa.
Seja como for, tratando-se de crimes sexuais contra mulheres, não mais se aplica a a redução da pena e do prazo prescricional, por força da idade do agente.
A gravidade e o alto índice de impunidade dos crimes sexuais, majoritariamente praticados contra mulheres, no entender do legislador, justificou a anulação de benefícios processuais e penais, mesmo que sob a crítica de ferir a coerência dogmática.