
André Luís Luengo – Doutor em Direito Constitucional e Delegado de Polícia
Resumo
O presente artigo analisa a contribuição de Adolphe Quetelet (1796-1874), estatístico belga responsável pela aplicação de métodos quantitativos às ciências sociais, para a compreensão dos fenômenos criminais e sua relação com a formação do Tecnólogo em Segurança Pública. Destacam-se suas chamadas “leis térmicas” ou leis de regularidade estatística, que descrevem a constância de padrões criminais em determinadas condições sociais, comparáveis a leis naturais. A análise demonstra que a utilização de tais fundamentos estatísticos é essencial para a gestão estratégica da segurança pública, reforçando a necessidade de uma formação profissional que una teoria, metodologia científica e prática. O estudo aponta que o tecnólogo, enquanto profissional multidisciplinar, encontra em Quetelet o respaldo científico para compreender a criminalidade como fenômeno social mensurável, previsível em tendências e sujeito a intervenções planejadas.
Palavras-chave: Adolphe Quetelet; Leis Térmicas; Estatística Criminal; Segurança Pública; Tecnólogo.
Introdução
O estudo da criminalidade no século XIX ganha consistência com Adolphe Quetelet, considerado o pai da estatística social. Sua obra “Sur l’homme et le développement de ses facultés, ou Essai de physique sociale” (1835) introduziu a noção de que os fenômenos sociais, inclusive o crime, obedecem a regularidades mensuráveis.
Essa concepção ficou conhecida como leis térmicas de Quetelet, pela analogia à previsibilidade dos fenômenos da natureza.
No contexto brasileiro contemporâneo, a carreira de Tecnólogo em Segurança Pública demanda formação baseada em evidências, com domínio da metodologia científica e capacidade de interpretar dados criminais.
Assim, revisitar as ideias de Quetelet é essencial para compreender como estatísticas e regularidades sociais podem ser aplicadas à formulação de políticas públicas e ao planejamento estratégico.
Desenvolvimento
1. As Leis Térmicas de Adolphe Quetelet
Quetelet observou que taxas de criminalidade apresentavam constância estatística em determinadas regiões e períodos, mesmo variando os indivíduos envolvidos.
Essa regularidade levou-o a concluir que o crime não era apenas fruto de escolhas individuais, mas resultado de condições sociais estruturais.
Entre os principais pontos de suas leis: a criminalidade apresenta padrões estáveis em larga escala; fatores como idade, gênero, estação do ano e condição socioeconômica influenciam a incidência de crimes; o crime pode ser estudado como fenômeno previsível em tendências, sujeito a intervenções racionais.
Adolphe Quételet demonstrou que a criminalidade varia conforme as estações do ano, formulando as chamadas “leis térmicas da criminalidade”. Constatou que os crimes contra a pessoa e os crimes sexuais aumentam na primavera e no verão, quando o calor intensifica a sociabilidade, a emoção e os impulsos passionais, enquanto os crimes contra o patrimônio crescem no outono e no inverno, em razão do frio, da escassez material e do estímulo ao cálculo e à necessidade.
Assim, dividiu os delitos em dois grupos principais: os “crimes de calor”, movidos pela paixão, e os “crimes de frio”, motivados pela necessidade, sustentando que o clima exerce influência constante e previsível sobre o comportamento humano e a criminalidade.
Essas ideias fundamentaram a criminologia positivista e ainda orientam análises estatísticas em segurança pública.
2. Relevância para a Segurança Pública Contemporânea
No Brasil, o 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2025) e o Atlas da Violência (IPEA; FBSP, 2025) confirmam que taxas criminais seguem padrões sociais estruturais: homicídios concentram-se em determinados grupos etários, contextos urbanos e horários.
Essa previsibilidade confirma a pertinência das teorias de Quetelet.
Aplicar tais regularidades à segurança pública significa utilizar estatística criminal como ferramenta de planejamento, mapear áreas de risco e desenvolver políticas de prevenção com base em evidências.
Nesse mesmo sentido, Silva (2024), em seu ensaio “Direito Penal e a ausência do Estado: Obviedade?”, publicado no portal Migalhas, denuncia que a ausência estatal na garantia dos direitos fundamentais transforma o cidadão em vítima não apenas do crime, mas também da omissão pública.
Tal análise converge com a formação do tecnólogo em segurança pública, cuja missão é justamente restaurar a presença do Estado por meio da gestão ética, técnica e cidadã da segurança.
Essa inclusão articula o pensamento empírico de Quetelet com a crítica sociopolítica de Silva, ampliando o alcance do artigo e reforçando a natureza multidisciplinar da formação do tecnólogo.
A obra de Silva enriquece o eixo ético e sociopolítico do seu texto, permitindo que a argumentação avance de Quetelet (empírico) para Silva (crítico), estabelecendo uma ponte entre previsibilidade estatística e responsabilidade estatal.
3. O Tecnólogo em Segurança Pública como Profissional de Evidências
A formação do tecnólogo privilegia a aplicação prática aliada à base teórica.
No campo da segurança, isso significa formar profissionais capazes de coletar, analisar e interpretar dados criminais, elaborar diagnósticos fundamentados em estatística e propor estratégias baseadas em regularidades sociais.
Assim, o tecnólogo se destaca como profissional que conecta a ciência estatística às necessidades práticas da segurança pública.
Conclusão
As leis térmicas de Quetelet representam um marco no estudo científico da criminalidade, demonstrando que o crime pode ser previsto em tendências e analisado por meio de regularidades estatísticas.
No Brasil contemporâneo, a formação em Tecnologia em Segurança Pública deve incorporar esses fundamentos, capacitando o profissional a planejar, gerir e propor soluções estratégicas baseadas em dados.
O Tecnólogo em Segurança Pública é, portanto, herdeiro da tradição científica de Quetelet, na medida em que busca compreender o crime não apenas como ato individual, mas como fenômeno social mensurável, sujeito a políticas racionais de prevenção e controle.
No contexto da formação e atuação do Tecnólogo em Segurança Pública, tais leis adquirem especial relevância. O profissional é constantemente desafiado a interpretar dados, compreender tendências criminais e propor soluções estratégicas baseadas em evidências.
Nesse sentido, o legado de Quetelet reforça a ideia de que o crime, longe de ser aleatório, pode ser analisado, previsto em suas tendências e enfrentado por meio de planejamento racional.
Portanto, compreender e aplicar os princípios das leis térmicas não é apenas exercício acadêmico, mas requisito prático para que o tecnólogo se consolide como um gestor de segurança pública orientado pela ciência.
Essa integração entre teoria estatística e prática profissional amplia a capacidade de prevenção, fortalece a eficiência institucional e contribui para a construção de uma segurança pública mais inteligente, eficaz e cidadã.
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