Alguns Dados do Novo Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Jorge Coutinho Paschoal – Advogado e Mestre em Processo Penal pela USP; Coordenador e Professor do Curso de Tecnólogo em Segurança Pública da Faculdade VP.

Uma das maiores dificuldades é lidar com dados em se tratando da área de segurança pública. Tema sempre espinhoso.

Se não há questões políticas envolvidas, pode haver, por certo, questões ideológicas.

Sem desconsiderar a complexidade relacionada ao assunto, um norte a respeito da temática proposta é conferido através dos dados veiculados nos Anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Embora algumas pessoas questionem a neutralidade dos estudos que se debruçam a respeito de uma (re)leitura dos dados fornecidos pelo órgãos públicos, não se pode nem se deve negar sua seriedade, devendo, obviamente, haver, da parte de todos os especialistas, uma análise crítica quanto ao cotejo de qualquer dado (aliás, toda análise crítica é sempre bem-vinda, em se tratando de qualquer tema ou dado científico).

Feita esta observação, passemos aos últimos dados trazidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que, como dito, empreende análises cujos dados e/ou conclusões podem ser discutidas, embora não possam nem devam ser desconsideradas.

Vamos aos dados.

No último ano, em especial, houve aumento da violência Doméstica/Familiar e feminicídio – houve 1492 feminicídios em 2024 (aumento de 0,7% em relação ao ano anterior, em 2023) – sendo que, destas mortes, quase 10% das mulheres estavam sob alguma medida protetiva. Atingiu o maior patamar desde o ano de 2015 – com a criação do tipo específico de feminicídio. A partir da criação da lei, a tipificação penal ajudou quanto à análise das estatísticas, fazendo com que a detecção do problema seja melhor discutida, até para fins de melhores políticas públicas para o enfrentamento da situação.

Quanto aos estupros – houve expressivo aumento – foram mais de 87.545 mil vítimas de estupro e estupro de vulnerável – 1 pessoa foi estuprada a cada 6 minutos; uma proporção, de ¾ dos casos envolve estupro de vulneráveis; portanto, a maioria dos crimes sexuais acontece em casa, por pessoas próximas, em vez de ser na rua – e a maioria das vítimas são menores e mulheres; não há políticas de incentivo ao registro (há muitas subnotificações, conforme artigo da Professora Nohara Paschoal); então, pode-se concluir, que o que está aumentando é o crime cometido (e não as notificações em si), mas há quem entenda diferentemente (devido a um maior investimento na investigação destes crimes, debitando o aumento dos dados alarmantes ao aumento das notificações).

Houve um aumento dos golpes e crimes digitais – em 2024, houve 4 golpes por minuto – mais de 2 milhões de estelionatos (aumento significativo em relação a 2023) (com um aumento de 400% em 6 anos) – os crimes de fraude, em geral, têm aumentado. Crimes baseados em transações tiveram uma explosão, em negócios, o que explica, em parte, a queda no número total de crimes envolvendo violência.

No que concerne aos celulares, houve quase 1 milhão de roubo/furto de celulares. Uma parte ínfima dos celulares roubados é recuperada/devolvida; apesar de haver, de fato, uma queda nos números, ainda assim, 917 mil aparelhos foram subtraídos.

Letalidade policial – as Mortes cometidas por policiais caíram no país (queda de mais de 3%), ressalvadas algumas regiões, como o Sudeste; Aumento de morte de crianças e adolescentes por intervenção policial (cresceu 15%) – em áreas controladas pelo crime organizado – com aumento do índice da letalidade policial (o que não é sinônimo, necessariamente, de crime cometido, dolosamente, pelo policial, é importante destacar); na Bahia, estima-se que ¼ das mortes decorrem da atuação policial

Cidades mais violentas estão no Nordeste. Há o problema do conflito entre facções, por conta da logística do crime. O problema é da falta do Estado, acarretando o surgimento e a sedimentação do chamado Estado Paralelo.

O crime organizado avança e o problema, hoje, para além da questão das drogas, é o controle de território, com o enfrentamento de mercados ilícitos, frise-se mais uma vez, não só de drogas, mas entre outros setores, como o furto de energia, mercado imobiliário, extorsão contra comerciantes, sendo que as organizações crescem com isso.

Lojas de chocolate, postos de gasolina, e, mais recentemente, até mesmo a tragédia (na verdade, para colocar os pingos nos is, ao que tudo indica, crime) envolvendo o metanol nas bebidas alcoolicas estão no radar das investigações em relação ao crime organizado.

Ninguém sai ileso. Todos nós pagamos um preço alto, seja pela leniência à corrupção (aliás, não só por parte das autoridades, mas do povo em relação aos agentes em relação aos quais uma parcela nutre simpatia, seja por esta ou aquela corrente de pensamento), seja à criminalidade (organizada e desorganizada).

A verdade é que o crime, mormente quando sai de controle, por meio de suas ações, pode impor a qualquer pessoa (independente de sua condição social ou socio econômica) consequências graves. Por mais que a pessoa esteja protegida (ou pense estar), com carros blindados, seguranças, a verdade é que esta proteção nem sempre se mostrará onipresente.

Quanto às mortes violentas intencionais (MVI) – neste dado entra tudo, inclusive latrocínios – houve queda no número histórico, queda de mais de 5%. Entretanto, há problemas nesta análise se olharmos para os desaparecimentos, os quais cresceram 5% (que estão em cerca de 80.000 casos), havendo o problema dos desaparecimentos forçados, ou seja, mortes intencionais não computadas (pois enquadradas como desaparecimentos), que acabam derrubando o número de MVI.

A queda das mortes se deve por alguns fatores – (i) há o envelhecimento da população; (ii) implementação de políticas públicas contra a violência; (iii) as tréguas entre facções criminosas; elenca-se, também, o controle de armas, mas o fato é que, mesmo em períodos recentes, nos quais houve um afrouxamento deste controle, o fato é que o índice de violência caiu significativamente (evidentemente, deve ser levado em conta o período da pandemia, que alterou os índices de violência e é um fator ainda objeto de análise), sendo um fenômeno a ser melhor estudado, sem paixões políticas ou ideológicas.

Taxa de prisionização – cresceu 6% – ao todo, são 909.594 – com déficit de vagas de 237 mil em todo o país. Aliás, nas últimas décadas, nunca se prendeu tanto.

Prende-se muito? Sim! A solução seria então soltar todo mundo, ou um grande número de pessoas, com a adoção do que se chama por política de desencarceramento em massa? Seria uma resposta muito simplista e equivocada (de nossa parte).

Evidentemente, e importante frisar, uma boa parte dos presos, na verdade, está solta, cumprindo regime prisional sem tantas restrições (leia-se: em liberdade).

Se considerarmos que nossa sociedade é extremamente violenta (e o Brasil é um dos países mais violentos do mundo), além, da quantidade de crimes praticados (isto é, sem violência), fica simples concluir – se for feita uma análise, de fato, imparcial, alijada de qualquer paixão ideológica –que não se prende tanto (assim, como se afirma por aí).

Veja bem: pode se prender mal, pode-se prender, desnecessária e demasiadamente, quem não deveria ser preso; poder-se-ia pensar no exemplo dado do pequeno traficante, que, em vez de pegar um 1 ano e 8 meses, pega 5, 6 ou mais anos de prisão, em regime fechado; ou da senhora, ou mesmo o caso da mulher, que pintou uma estátua com um batom (por mais importante e sagrada que seja a estátua ou monumento, ainda mais a que simboliza a Justiça), e pegou 14 anos de prisão (pena bem mais severa que a dada para alguém condenado por um grande esquema de corrupção ou peculato, por exemplo).

Não se desconsidera a gravidade do fato ou do contexto do fato em si (peguemos o exemplo da mulher, do 08 de janeiro), mas dar uma pena acima de 10 anos, quando fatos correlatos, no passado (ou no presente), não foram tratados da mesma forma, deve gerar reflexão.

Ressalvadas estas – ao nosso ver – muitas injustiças, de se prender, justamente, quem não deveria estar preso (ou soltar quem deveria estar), o fato é que, em números absolutos, fazendo-se uma análise da quantidade de crimes praticados ou estimados em nosso país, não se pode afirmar que o país tenha um política de encarceramento em massa.

Aliás, embora não seja uma regra, os Estados da Federação que mais prendem têm os melhores índices de criminalidade/violência.

Claro, a prisão sempre deve ser a ultima ratio.

Não se deve prender por nada, ou pior, prender indevidamente, quem não deveria estar preso, sob pena de, como aconteceu, se fornecer mão de obra para o crime organizado.

Estes são alguns dados, cuja análise se entendeu interessante compartilhar para reflexão.

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