
Cláudio Tucci – Advogado e professor. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Filosofia do Direito e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista (UNIP).
Introdução
O debate sobre as Parcerias Público-Privadas (PPPs) no sistema penitenciário brasileiro desperta tanto entusiasmo quanto críticas. Afinal, seria possível unir a eficiência da gestão privada com a função social e punitiva do Estado? Mais do que uma discussão técnica, essa é uma questão ética, jurídica e política, que exige análise cuidadosa sobre os riscos, benefícios e limites desse modelo de cooperação.
A crise do sistema prisional brasileiro é notória: superlotação, reincidência elevada, violência institucional e precariedade na gestão pública. Diante desse cenário, a ideia de delegar a algumas empresas privadas funções operacionais das prisões, mantendo a custódia sob controle estatal, parece, à primeira vista, promissora. Mas será que o interesse público está sendo, de fato, preservado?
2 – PPPs No Sistema Prisional: O Modelo Brasileiro
As Parcerias Público-Privadas, regulamentadas pela Lei nº 11.079/2004, foram incorporadas ao sistema penitenciário como uma tentativa de modernizar a gestão, reduzir custos e melhorar a prestação de serviços. O caso mais emblemático no Brasil é o da Penitenciária de Ribeirão das Neves (MG), uma das primeiras unidades prisionais com modelo de PPP, onde a infraestrutura, alimentação, limpeza, lavanderia, saúde e educação são fornecidas pela iniciativa privada, enquanto a disciplina e segurança externa permanecem sob controle da polícia penal.
De acordo com essa proposta, esse modelo representa uma tentativa de solução para a ineficiência do Estado, mas traz consigo preocupações sobre a mercantilização da pena e a garantia dos direitos fundamentais do preso. Afinal, como conciliar lucro com dignidade humana?
3 – Entre a Eficiência e os Direitos Fundamentais
A discussão central não é se o setor privado pode participar da gestão prisional, mas quais funções ele deve exercer. A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, inciso XLVII, determina que “não haverá penas cruéis”, o que impõe ao Estado o dever de garantir mínimos padrões de dignidade mesmo durante a execução penal.
Críticos das PPPs alertam para o risco de que a lógica empresarial, baseada no menor custo e maior eficiência, comprometa o caráter humanizador da pena, especialmente se os incentivos contratuais estiverem atrelados à ocupação de vagas, o que contraria os princípios da redução de danos e da ressocialização.
Por outro lado, defensores do modelo alegam que, em muitos casos, a iniciativa privada consegue oferecer serviços com mais qualidade, regularidade e transparência, sob fiscalização estatal. O desafio, portanto, está em estabelecer marcos regulatórios rígidos e mecanismos eficazes de controle e auditoria, garantindo que o preso seja tratado como titular de direitos, e não como simples número em planilha de contrato.
4 – Considerações Finais
As Parcerias Público-Privadas podem, sim, ser uma estratégia complementar no enfrentamento da crise do sistema penitenciário, desde que utilizadas com responsabilidade, limites bem definidos e fiscalização contínua. O Estado não pode e não deve, se afastar de seu papel constitucional de garantir a execução penal conforme os ditames da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e os tratados internacionais de direitos humanos.
Mais do que escolher entre público ou privado, o Brasil precisa repensar o modelo punitivo, investir em políticas de prevenção e ampliar o acesso à educação, saúde e justiça no cárcere. Fica uma alternativa viável para ajudar administrar uma área tão sensível e importante nas prioridades das políticas públicas.
Referências
BRASIL. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Diário Oficial da União, Brasília, 31 dez. 2004.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 13 jul. 1984.



