
Cláudio Tucci – Advogado e professor. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Filosofia do Direito e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista (UNIP).
1. Introdução
Falar sobre o sistema prisional brasileiro é, inevitavelmente, falar sobre a presença e o fortalecimento do crime organizado dentro das penitenciárias. Nos últimos anos, o que antes era espaço de cumprimento de pena, passou a se configurar como verdadeiro centro de comando de facções criminosas, que operam não apenas dentro, mas para fora dos muros, dominando territórios e desafiando o Estado.
O presídio deixou de ser apenas uma sanção penal para se tornar estratégico para o crime organizado, sobretudo após os anos 1990, com o surgimento de facções como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Como bem observou João Bosco Sá Valente, é dos presídios que partem as ordens para atentados, tráfico, execuções, e até negociações de armamentos e “escambos” com o exterior. Estamos diante de um Estado paralelo que se organiza e sobrevive dentro das prisões.
2. O Nascedouro da Criminalidade Organizada no Cárcere
A história mostra que o Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande (RJ), foi o marco da gênese do crime organizado no Brasil, quando presos comuns e perigosos passaram a conviver sem distinção, favorecendo a formação de redes, códigos próprios e estruturas hierárquicas. Essa realidade se repetiu em São Paulo com o PCC, nascido como “sindicato do crime”, prometendo proteção aos presos contra abusos estatais e que, com o tempo, se tornou um império criminoso.
Segundo a Lei nº 12.850/2013, organização criminosa é aquela composta por quatro ou mais pessoas com divisão de tarefas e objetivo de obter vantagens por meio de infrações penais graves. Hoje, o crime organizado nos presídios preenche esses requisitos com sobras, pois há liderança, recrutamento, estrutura empresarial, divisão territorial e conexões internacionais.
3. O Presídio Como Centro de Poder
Diferentemente da prisão como espaço de punição e reeducação, muitos presídios se tornaram verdadeiros centros de poder paralelo, onde as facções exercem controle não só entre os detentos, mas também sobre comunidades inteiras fora dos muros.
A ausência do Estado em políticas eficazes de reintegração, o descaso com a saúde, a superlotação e o déficit de agentes penitenciários tornam o ambiente fértil para a dominação das facções. Como afirmou Valente (2023), as organizações criminosas, utilizando-se de tecnologia, “sites” criptografados e rede de informantes, operam com sofisticação, como empresas modernas, gerindo até o “leasing” de armamentos e o fechamento de comércios nas comunidades.
4. Soluções e o Papel do Estado
O enfrentamento do crime organizado no sistema prisional não se resume a mais repressão. Exige ações articuladas, como:
Unificação das inteligências policiais e penitenciárias;
Isolamento efetivo das lideranças, como previsto no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD);
Investimentos em educação e trabalho dentro das prisões (como prevê a Lei de Execução Penal – LEP, Lei nº 7.210/1984);
Controle rigoroso da comunicação interna e visitas;
Capacitação e valorização dos agentes de segurança prisional.
O exemplo da Itália, citado no artigo de Valente, é emblemático. Com a criação da Direzione Investigativa Antimafia (DIA) e da Polizia Penitenziaria, o país passou a adotar uma política articulada entre polícia, justiça e inteligência, com foco em desarticular o controle dos mafiosos sobre o cárcere. No Brasil, precisamos de um modelo semelhante, adaptado à nossa realidade jurídica e social.
5. Considerações Finais
O crime organizado encontrou no sistema prisional brasileiro um terreno fértil para se estruturar, crescer e influenciar o mundo exterior. Enfrentar esse fenômeno exige muito mais que operações esporádicas. É preciso rever o modelo prisional, investir em inteligência e quebrar a lógica do domínio interno das facções.
O cárcere não pode continuar sendo escola do crime e base operacional do poder paralelo. A sociedade precisa compreender que investir em presídios humanos, organizados e controlados pelo Estado é, antes de tudo, investir na própria segurança e na quebra do ciclo de violência.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 144. Disponível: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
Acesso em: 11 out. 2025.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jul. 1984.
BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre investigação criminal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 ago. 2013.
VALENTE, João Bosco Sá. Crime Organizado: uma abordagem a partir do seu surgimento no mundo e no Brasil. Disponível em: https://jus.com.br/artigos



