O Desafio da Segurança Integrada: SUSP, Federalismo e a Nova Ordem Urbana

Nohara PaschoalAdvogada. Mestre em Direito Penal pela USP.  Sócia da Paschoal Advogados. Professora do Curso de Segurança Pública da Faculdade VP.

A segurança pública no Brasil, complexa e originalmente fragmentada pela Constituição de 1988, está em um processo de profunda reestruturação e integração. Esse processo é impulsionado por dois pilares principais: a Lei nº 13.675/2018, que criou o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em tramitação, que busca consolidar esse sistema. Recentemente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) adicionou um elemento crucial ao fortalecer o papel das Guardas Municipais.

O SUSP (Lei 13.675/2018) estabeleceu o princípio fundamental da integração, cooperação e compartilhamento de dados entre todos os órgãos de segurança federais, estaduais e municipais, visando superar a desarticulação e focar no combate ao crime organizado.

A PEC da Segurança Pública (como a PEC 18/2025) busca elevar o SUSP ao status constitucional. Os defensores argumentam que isso garante estabilidade jurídica e permanência (tornando-o mais difícil de ser revogado do que uma lei ordinária) e assegura o financiamento ao constitucionalizar o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).

 Já os críticos à PEC temem uma centralização excessiva de poder na União. Além disso, há o receio de que a PEC, ao dar à União a competência para estabelecer diretrizes gerais e ao vincular o repasse do FNSP a essas regras, force os Estados a acatarem políticas federais sob pena de perderem recursos cruciais, o que seria visto como uma interferência indevida na autonomia federativa.

Atualmente, a atuação no sistema de segurança é dividida de acordo com as esferas de competência, embora o SUSP exija a coordenação entre elas.

À União compete a liderança estratégica, a coordenação e a atuação em crimes federais e interestaduais. Já os Estados possuem a responsabilidade primária pelo policiamento ostensivo e a investigação do crime comum, de competência estadual.

Com relação aos municípios, importa pontuar que decisões do Supremo Federal, nos anos de 2023 e 2025, revolucionaram o papel das guardas municipais.

Com efeito, a jurisprudência recente do STF — notadamente a ADPF 995 (2023) e o RE 608.588 (2025) — consolidou a GCM como um órgão de segurança pública integrante do SUSP, superando a visão estritamente patrimonialista (proteção de bens e serviços municipais).

Assim, a STF autorizou a GCM a realizar policiamento ostensivo e comunitário nas ruas, legitimando sua atuação na prevenção imediata de ilícitos e na manutenção da ordem local.

Desta feita, o GCM tem o poder e o dever de realizar prisões em flagrante delito (por qualquer crime), conduzindo o detido imediatamente à autoridade policial competente, já que a GCM não possui poder de Polícia Judiciária; ou seja, é vedado investigar e instaurar inquéritos, atribuições exclusivas das Polícias Civil e Federal.

Vê-se, portanto, que a segurança pública se encontra em uma fase de transição. A Lei do SUSP (2018) estabeleceu a base para a integração, essencial para combater o crime organizado. A PEC da Segurança Pública, por sua vez, visa blindar essa integração no nível constitucional, oferecendo estabilidade jurídica e garantia de financiamento via FNSP, apesar das críticas válidas dos governadores sobre a possível centralização excessiva de poder em Brasília e a redução da autonomia federativa.

O elemento mais transformador, contudo, reside na jurisprudência recente do STF (2023/2025), ao reconhecer e legitimar o papel da Guarda Civil Municipal (GCM) no policiamento ostensivo e comunitário, injetando, assim, força ativa no nível municipal, incluindo o ente municipal na prevenção primária e na resposta imediata, redistribuindo as responsabilidades nas cidades.

O desafio final é garantir que a integração, necessária e primordial, não ocorra à custa do princípio federativo e que todas as esferas atuem em coordenação, maximizando a eficácia contra a criminalidade complexa e fragmentada.

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