A Vida Particular do Tecnólogo em Segurança Pública: Entre a Ética, a Exposição e o Equilíbrio Humano

André Luís LuengoDoutor em Direito Constitucional e Delegado de Polícia

Resumo

O presente artigo analisa a vida particular do Tecnólogo em Segurança Pública sob a perspectiva ética, psicológica e social, discutindo os reflexos da função pública na esfera privada. Por se tratar de uma carreira vinculada à proteção de bens jurídicos fundamentais e à manutenção da ordem social, a atuação do tecnólogo transcende o horário de serviço, alcançando sua identidade pessoal e comunitária. A partir de revisão bibliográfica e análise interdisciplinar, examinam-se as tensões entre o dever funcional e o direito à privacidade, as implicações psicológicas do trabalho policial e os desafios éticos decorrentes da exposição social e digital. Conclui-se que o equilíbrio entre o “ser servidor” e o “ser cidadão” depende de políticas institucionais de valorização, de educação ética permanente e de suporte psicossocial, a fim de preservar a dignidade humana e a credibilidade das instituições de segurança pública.

Palavras-chave: Tecnólogo em Segurança Pública. Ética profissional. Vida privada. Exposição social. Humanização policial.

1. Introdução

A função do Tecnólogo em Segurança Pública emerge no Brasil como resposta à crescente complexidade das políticas contemporâneas de segurança e à urgente necessidade de profissionais com formação técnica, ética e reflexiva, capazes de compreender o fenômeno da violência não apenas sob a ótica repressiva, mas também em sua dimensão social, política e humana.

No contexto do Estado Democrático de Direito, as exigências impostas à segurança pública ultrapassam a mera contenção da criminalidade. Elas envolvem a gestão de conflitos, a mediação de interesses, a comunicação social, a análise de dados e a formulação de políticas preventivas pautadas em evidências.

Nesse cenário, o tecnólogo ocupa uma posição estratégica: atua na intersecção entre o Estado e a sociedade, traduzindo normas e valores jurídicos em ações concretas que visam à paz social e à proteção dos direitos fundamentais.

Mais do que executor de protocolos operacionais, o Tecnólogo em Segurança Pública é um agente de governança social, cuja legitimidade se sustenta na tríade do saber técnico, do compromisso ético e da sensibilidade humana.

Seu papel requer a compreensão das estruturas do poder estatal, das dinâmicas criminais e, sobretudo, da condição humana dos sujeitos com os quais interage, sejam eles vítimas, testemunhas, suspeitos ou colegas de corporação.

Contudo, essa posição híbrida, ao mesmo tempo institucional e cidadã, impõe um conjunto de dilemas éticos e existenciais que se projetam para além do espaço de trabalho e invadem o campo da vida privada.

A identidade profissional do tecnólogo não se limita ao ambiente funcional: ela o acompanha na comunidade, nas redes sociais, nas relações familiares e nos espaços de lazer, produzindo uma tensão constante entre o ser servidor público e o ser indivíduo autônomo.

Nesse sentido, a vida particular desse profissional torna-se extensão simbólica de sua função. Suas atitudes, palavras e escolhas, mesmo em contextos íntimos, são frequentemente interpretadas sob o prisma da moralidade administrativa e da imagem institucional que representa.

Essa visibilidade ampliada, típica das carreiras de Estado e intensificada pelos meios digitais, transforma a privacidade em um território vulnerável, onde os limites entre o público e o privado se confundem.

A presente pesquisa tem por objetivo analisar as implicações éticas, psicológicas e sociais da vida privada do Tecnólogo em Segurança Pública, considerando a forma como as exigências do cargo repercutem na subjetividade e nas relações interpessoais.

Busca-se compreender como o exercício da função impacta o equilíbrio entre dever e liberdade, entre identidade profissional e identidade pessoal, especialmente nos temas relacionados à exposição pública, ao equilíbrio familiar, à conduta moral esperada e às novas fronteiras digitais da imagem institucional.

Por fim, pretende-se discutir de que modo a formação acadêmica e continuada do tecnólogo pode contribuir para o desenvolvimento de uma cultura profissional mais humana, ética e sustentável, em que o cuidado com o servidor, em sua integralidade física, mental e emocional, seja reconhecido como componente essencial da segurança pública contemporânea.

2. A natureza pública da função e a repercussão na vida privada

O Curso Superior de Tecnologia em Segurança Pública tem por finalidade formar profissionais aptos a compreender, planejar e executar ações voltadas à defesa da sociedade e à promoção da ordem pública, de acordo com os valores constitucionais e os princípios democráticos.

Trata-se de uma formação que combina saber técnico-científico, compromisso ético e responsabilidade social, habilitando o tecnólogo a atuar em atividades de prevenção, gestão e controle de riscos, segurança institucional e cidadania.

A natureza da função exercida por esse profissional é, por definição, pública e estatal, estando vinculada diretamente ao art. 144 da Constituição Federal, que estabelece a segurança pública como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.

Nesse sentido, o Tecnólogo em Segurança Pública não é apenas um servidor ou colaborador técnico: ele é um agente de execução de políticas públicas essenciais à soberania estatal e à preservação da ordem jurídica.

Como função típica de Estado, a segurança pública envolve o exercício de poderes e deveres que exigem do tecnólogo conduta ilibada, probidade moral e equilíbrio entre autoridade e humanidade.

A missão de zelar pela paz social não se restringe à atuação em serviço; ela se projeta simbolicamente na figura pessoal do agente, o que faz com que a comunidade o perceba como representante permanente do Estado.

Assim, mesmo fora do horário funcional, o tecnólogo é identificado por vizinhos, familiares e cidadãos como expressão da autoridade pública.

Essa percepção social, muitas vezes inconsciente e culturalmente arraigada, impõe limites à liberdade individual e à expressão pessoal.

As atitudes, opiniões e comportamentos do profissional, ainda que em ambientes privados, são avaliados sob a ótica da imagem institucional que ele representa.

Em razão disso, sua vida particular passa a ser regida não apenas pelas normas do direito comum, mas também pelos valores éticos da função pública, como legalidade, moralidade e impessoalidade, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal.

O tecnólogo, portanto, é convocado a exercer um duplo papel: o de cidadão comum, com direitos e individualidades, e o de símbolo da força pública, sujeito a padrões elevados de disciplina e autocontenção.

Essa duplicidade, simultaneamente humana e institucional, dá origem a uma série de tensões éticas e psicológicas.

O mesmo profissional que tem direito à vida privada deve, paradoxalmente, manter-se em permanente estado de coerência com os valores que defende publicamente.

Autores como Adorno e Lima (2004) e Beato (2012) ressaltam que o exercício da autoridade estatal carrega consigo uma dimensão simbólica que ultrapassa a legalidade.

A legitimidade da polícia e, por extensão, dos profissionais de segurança, depende não apenas da eficiência operacional, mas da confiança pública construída cotidianamente a partir da conduta pessoal de seus integrantes.

A sociedade espera que o tecnólogo seja exemplo de cidadania e retidão, mesmo quando não está em serviço, o que o coloca sob vigilância social contínua.

Essa visibilidade ampliada transforma a vida privada em um espaço de representação institucional.

Pequenos gestos, interações em redes sociais, posicionamentos políticos ou comportamentos em locais públicos são interpretados como manifestações do ethos da segurança pública.

Daí a importância de se reconhecer que o tecnólogo, além de suas funções técnicas, é também portador de um papel moral, que se materializa no olhar social sobre sua pessoa.

A repercussão da função na vida privada, contudo, não deve ser compreendida como limitação arbitrária à liberdade, mas como manifestação da ética republicana, que exige do servidor a consciência de que o poder conferido pelo Estado traz consigo responsabilidade e exemplo.

A tensão entre liberdade individual e dever institucional é inevitável, mas pode ser equilibrada por meio da formação ética contínua, da valorização profissional e da compreensão crítica do próprio papel social.

Em síntese, a natureza pública da função do Tecnólogo em Segurança Pública produz uma repercussão inevitável sobre sua vida privada, exigindo-lhe maturidade moral, autocontrole e discernimento.

É nesse ponto que o curso de formação tecnológica cumpre papel decisivo: preparar o profissional não apenas para agir com eficiência, mas para viver com consciência, transformando a autoridade em exemplo e o dever em instrumento de cidadania.

3. O impacto psicológico e emocional da profissão na vida pessoal

A atividade do Tecnólogo em Segurança Pública se desenvolve em um ambiente de alta complexidade emocional, marcado pela convivência constante com situações de conflito, risco e sofrimento humano.

A atuação cotidiana, que envolve o enfrentamento da criminalidade, a mediação de crises e o contato com vítimas e infratores, impõe ao profissional uma carga psíquica singular, que ultrapassa os limites do expediente e invade os espaços íntimos da vida particular.

Diversas pesquisas em saúde ocupacional e psicologia aplicada à segurança pública (MINAYO; ASSIS, 2020; LIMA, 2022) apontam que os profissionais da área figuram entre os grupos mais suscetíveis a transtornos de ansiedade, depressão, distúrbios do sono e esgotamento emocional (burnout).

A sobrecarga de trabalho, a pressão por resultados, o contato direto com a violência e a percepção constante de perigo constituem fatores de estresse crônico, comprometendo não apenas o desempenho funcional, mas também as relações familiares e sociais.

A condição de hipervigilância permanente é um traço característico entre servidores da segurança pública.

Mesmo fora do serviço, o tecnólogo tende a manter-se em estado de alerta, incapaz de desligar-se totalmente das preocupações profissionais.

Esse fenômeno psicológico, descrito por Lima (2022) como “persistência do estado de prontidão”, provoca irritabilidade, insônia, retraimento e dificuldade de relaxamento, interferindo diretamente na convivência doméstica.

Além do estresse operacional, há o peso simbólico da função policial, que confere ao servidor a obrigação moral de manter uma imagem de firmeza e autocontrole.

Essa exigência de comportamento inabalável gera o que Minayo (2019) denomina “sofrimento silencioso”, a repressão das emoções em nome da virilidade profissional e da autoridade institucional.

O tecnólogo, ao internalizar a ideia de que “não pode demonstrar fraqueza”, passa a negligenciar suas próprias vulnerabilidades, desenvolvendo mecanismos de negação e resistência à busca por ajuda psicológica.

Tais fatores configuram o que a literatura define como “cultura do endurecimento emocional”, um conjunto de valores corporativos que valorizam a coragem, a obediência e a insensibilidade afetiva como atributos desejáveis, mas que, paradoxalmente, ampliam o risco de adoecimento mental.

No cotidiano, essa cultura pode levar à deterioração dos vínculos familiares, ao isolamento afetivo e, em casos mais graves, ao abuso de álcool, comportamentos autodestrutivos e ideação suicida, fenômenos que vêm sendo reconhecidos como problema de saúde pública entre as forças de segurança (MINAYO; SOUZA, 2021).

Outro aspecto relevante diz respeito ao conflito de papéis sociais.

O tecnólogo, ao transitar entre a rigidez institucional e a vida civil, vivencia tensões identitárias: de um lado, deve agir com autoridade, disciplina e comando; de outro, necessita exercer empatia, diálogo e afetividade no seio familiar e comunitário.

Essa alternância constante entre códigos comportamentais distintos demanda alto grau de maturidade emocional e consciência de si.

Quando essa transição não é adequadamente administrada, o profissional tende a reproduzir padrões hierárquicos e autoritários em suas relações pessoais, comprometendo o equilíbrio doméstico.

A ausência de políticas institucionais estruturadas de suporte psicológico e social agrava ainda mais esse quadro.

Apesar dos avanços em programas de saúde mental nas corporações, ainda predomina a visão de que o sofrimento é responsabilidade individual, e não reflexo de uma estrutura organizacional adoecida.

Essa perspectiva reducionista impede que a vida particular do tecnólogo seja reconhecida como dimensão legítima de cuidado institucional, perpetuando o ciclo de desgaste emocional.

Para romper esse paradigma, torna-se indispensável adotar uma abordagem organizacional humanizada, em que o bem-estar do servidor seja considerado fator de eficiência e não mero benefício pessoal.

Isso envolve a implementação de núcleos de apoio psicossocial permanentes, o incentivo à educação emocional na formação inicial e continuada, e a criação de ambientes laborais empáticos e cooperativos, que valorizem o diálogo e o reconhecimento profissional.

O desenvolvimento do autocuidado também deve ser tratado como competência profissional essencial.

A capacidade de reconhecer os próprios limites, de buscar ajuda quando necessário e de cultivar relações de apoio mútuo é tão importante quanto o domínio técnico das atividades de segurança.

Um tecnólogo emocionalmente equilibrado tende a agir com maior discernimento, proporcionalidade e empatia, fortalecendo a confiança da sociedade na instituição que representa.

Adorno e Lima (2004) destacam que a autoridade legítima nasce da combinação entre força e humanidade.

Um profissional emocionalmente fragilizado perde a capacidade de exercer essa autoridade de forma equilibrada, tornando-se vulnerável a comportamentos impulsivos, abusivos ou omissos.

Cuidar da saúde mental do tecnólogo, portanto, é também preservar a legitimidade e a credibilidade da própria segurança pública.

Em suma, o impacto psicológico e emocional da profissão na vida pessoal do Tecnólogo em Segurança Pública não deve ser minimizado nem tratado como questão privada.

Trata-se de uma dimensão institucional e coletiva, que demanda políticas de gestão humanizada, atenção constante à saúde mental e espaços de reflexão sobre o sentido da missão policial.

Somente por meio desse reconhecimento será possível romper o ciclo histórico de sofrimento silencioso e construir uma cultura de segurança baseada não apenas na força, mas também na consciência e na dignidade humana.

4. Ética, redes sociais e vida digital

Nas últimas décadas, o avanço das tecnologias de informação e comunicação transformou profundamente as relações humanas, inclusive no âmbito da segurança pública.

As redes sociais digitais, como Instagram, Facebook, X (antigo Twitter) e WhatsApp, tornaram-se espaços centrais de socialização, expressão e mobilização social.

Entretanto, para o Tecnólogo em Segurança Pública, essa ampliação do espaço público virtual trouxe novos desafios éticos, jurídicos e institucionais, uma vez que a fronteira entre o público e o privado sofreu significativa erosão.

No contexto digital contemporâneo, a distinção entre vida pessoal e profissional tornou-se cada vez mais fluida.

Uma postagem aparentemente inofensiva, uma fotografia em ambiente de lazer, um comentário sobre política, uma crítica a determinada decisão administrative, pode, em poucos minutos, alcançar milhares de pessoas e produzir repercussões institucionais de grande proporção.

Assim, a vida online do tecnólogo é, inevitavelmente, uma extensão simbólica de sua função pública, sujeita aos mesmos princípios que regem sua conduta funcional.

A ética digital surge, nesse cenário, como competência indispensável para o profissional moderno da segurança pública.

Ela não se limita ao cumprimento de regras, mas envolve consciência crítica sobre o poder das informações, a responsabilidade da comunicação e os riscos da superexposição.

A reputação digital de um servidor é, muitas vezes, confundida com a imagem da própria instituição que representa e, por isso, qualquer deslize comunicativo pode comprometer a credibilidade pública e a confiança social.

A Portaria DGP nº 30/2018, da Polícia Civil do Estado de São Paulo, estabelece diretrizes claras sobre conduta funcional, incluindo orientações sobre manifestações em redes sociais.

Entre as vedações, destacam-se as que impedem a divulgação de informações sigilosas, o uso inadequado da farda ou distintivos em contextos não autorizados e a realização de postagens que possam comprometer a hierarquia, a disciplina ou a neutralidade institucional.

Essas normas não visam à censura, mas à preservação da imagem pública da corporação e à proteção da própria autoridade funcional do servidor.

Do ponto de vista jurídico, a Constituição Federal garante, em seu art. 5º, inciso IX, o direito à livre manifestação do pensamento; todavia, esse direito não é absoluto.

No exercício da função pública, o servidor está sujeito aos limites da lealdade administrativa, da impessoalidade e do sigilo profissional, previstos no art. 116 da Lei nº 10.261/1968 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado) e reforçados pelo art. 37, caput, da Constituição Federal.

Desse modo, a liberdade de expressão do tecnólogo em segurança pública deve ser exercida com responsabilidade institucional, evitando-se publicações que exponham dados sensíveis, prejudiquem investigações ou comprometam o prestígio da administração.

A literatura especializada em ética policial (ADORNO; LIMA, 2004; BAYLEY, 1994) reconhece que a legitimidade das instituições de segurança depende fortemente da percepção social de imparcialidade, integridade e autocontenção.

Quando um servidor se manifesta de forma agressiva, preconceituosa ou politicamente partidarizada em redes sociais, ele compromete não apenas sua própria imagem, mas também a percepção de neutralidade da corporação.

O dano simbólico resultante dessas atitudes pode minar anos de esforços institucionais voltados à construção da confiança pública.

Além disso, a exposição exagerada de aspectos da vida pessoal, viagens, bens, relacionamentos, rotina familiar, representa um risco concreto à segurança física e informacional dos profissionais de segurança.

Criminosos e organizações ilícitas utilizam técnicas de engenharia social para coletar dados em perfis públicos e identificar vulnerabilidades, como endereços, horários de deslocamento e vínculos afetivos.

Por essa razão, a gestão estratégica da privacidade digital deve ser parte integrante da formação do tecnólogo, incluindo conteúdos sobre segurança da informação, criptografia, anonimização de dados e comportamento seguro em ambientes virtuais.

Sob o ponto de vista ético, a atuação digital deve pautar-se pelo princípio da prudência comunicacional, conceito derivado da ética aristotélica e reelaborado por Habermas na teoria da ação comunicativa.

Prudência, nesse contexto, significa avaliar previamente o impacto das próprias palavras e compreender que, na era da hiperconectividade, cada servidor é também um emissor público.

A palavra de um profissional de segurança tem peso simbólico ampliado, pois carrega consigo o poder representativo do Estado.

Dessa forma, torna-se indispensável que os currículos dos Cursos Superiores de Tecnologia em Segurança Pública incluam disciplinas e módulos voltados à ética digital, comunicação institucional e uso responsável das redes sociais, preparando o futuro profissional para o exercício consciente da cidadania digital e da comunicação pública.

A educação digital ética não apenas previne danos à imagem institucional, mas fortalece a cultura da transparência e da responsabilidade comunicacional.

Por fim, é necessário reconhecer que o ambiente digital também pode ser espaço de valorização da carreira e aproximação com a sociedade, desde que utilizado com discernimento.

Publicações que difundam boas práticas, projetos sociais, ações preventivas e iniciativas comunitárias contribuem para a humanização da polícia e a construção de pontes de confiança entre o Estado e o cidadão.

Assim, o desafio não é afastar o tecnólogo das redes, mas orientá-lo para um uso ético, consciente e estratégico da comunicação digital, alinhado aos valores da instituição e à defesa do interesse público.

Em síntese, a vida digital do Tecnólogo em Segurança Pública deve refletir os mesmos princípios que orientam sua atuação presencial: legalidade, moralidade, respeito e responsabilidade social.

A conduta ética no ambiente virtual não é mera formalidade disciplinar, mas expressão concreta da integridade profissional e, portanto, elemento indispensável à credibilidade da segurança pública em tempos de hiperexposição e desinformação.

5. Família, comunidade e identidade social

O Tecnólogo em Segurança Pública ocupa um espaço de identidade singular dentro da estrutura social: é, simultaneamente, agente do Estado e cidadão integrante da comunidade que protege.

Essa condição de dupla pertença gera tensões complexas na vida cotidiana, especialmente em contextos locais de maior proximidade social, como os municípios do interior, onde a figura do servidor público é amplamente reconhecida e socialmente exposta.

Como agente do Estado, o tecnólogo representa a autoridade legal, sendo investido de poder coercitivo e de responsabilidade pública.

Contudo, como cidadão, ele compartilha os mesmos espaços, valores e desafios das pessoas que atende, frequenta as mesmas escolas com os filhos, os mesmos templos religiosos, mercados, eventos comunitários e redes de convivência.

Essa coincidência de papéis obriga-o a administrar uma convivência delicada entre proximidade social e distanciamento funcional, buscando o equilíbrio entre o dever institucional e a vida privada.

A identidade profissional do tecnólogo é, portanto, marcada por uma tensão constante entre inclusão e separação.

De um lado, ele é parte integrante da comunidade; de outro, é guardião da ordem que a regula.

Segundo Bittner (1974), a autoridade policial é socialmente paradoxal: quanto mais próximo o agente está da população, maior é a confiança que gera, mas também maior o risco de se ver envolvido em dilemas morais e conflitos de interesse.

Essa ambiguidade reforça a necessidade de sólida formação ética, autocontrole e consciência de limites, a fim de que a familiaridade comunitária não comprometa a imparcialidade do exercício profissional.

A família, nesse contexto, assume papel central na sustentação emocional e ética do tecnólogo.

Ela se converte em núcleo de estabilidade psicológica e referência moral, sendo o primeiro espaço onde o profissional pode expressar sua humanidade sem o peso da autoridade funcional.

Entretanto, essa mesma família também se torna coparticipante das exigências e sacrifícios da carreira.

O regime de plantões, as escalas noturnas, as operações emergenciais e a imprevisibilidade dos horários frequentemente provocam ausência física, que repercute na dinâmica familiar e nos vínculos afetivos.

A impossibilidade de compartilhar integralmente os detalhes do trabalho, seja por sigilo funcional, seja para preservar emocionalmente os entes queridos, cria zonas de silêncio e incompreensão dentro do lar, o que exige maturidade e comunicação constante para evitar distanciamentos emocionais.

Estudos de Minayo e Assis (2020) mostram que os familiares de profissionais da segurança pública sofrem com níveis elevados de ansiedade, insegurança e sobrecarga emocional, especialmente as esposas, filhos e pais que convivem com o medo diário de perdas ou represálias.

Nesse sentido, a profissão ultrapassa os limites individuais e assume caráter coletivo, pois os impactos do trabalho recaem sobre todo o núcleo familiar.

A família, portanto, deve ser reconhecida como sujeito indireto da política de segurança pública, merecendo atenção institucional em programas de acolhimento, apoio psicossocial e educação para convivência.

A convivência comunitária, por sua vez, representa tanto um espaço de integração quanto de vigilância social.

Nos pequenos municípios, o tecnólogo é constantemente observado: suas amizades, hábitos e opiniões tornam-se objeto de avaliação coletiva.

A linha entre o servidor e o cidadão é tenue, uma presença em um evento social, uma fotografia em rede digital ou uma simples conversa podem gerar interpretações políticas ou morais que extrapolam o âmbito pessoal.

Essa visibilidade contínua reforça o sentimento de isolamento, levando muitos profissionais a restringirem suas interações comunitárias e a adotar posturas reservadas em público.

Contudo, afastar-se da comunidade pode significar perda de capital social e enfraquecimento da legitimidade simbólica da instituição policial.

A confiança pública é construída na proximidade ética, e não na distância hierárquica.

O desafio do tecnólogo consiste em manter vínculos sociais saudáveis sem comprometer sua neutralidade functional, participando da vida comunitária como cidadão solidário, sem abrir mão da responsabilidade que o cargo exige.

Esse equilíbrio é fundamental para humanizar a segurança pública e aproximar o Estado da sociedade.

A dimensão identitária do tecnólogo também merece reflexão.

O “ser policial” ou “ser agente da lei” não é apenas uma ocupação profissional, mas uma condição existencial que estrutura a percepção de si mesmo.

Ocorre, frequentemente, um processo de fusão entre a identidade pessoal e a profissional, o que pode gerar perda de espontaneidade e rigidez comportamental fora do ambiente de trabalho.

Reconhecer essa fusão e aprender a delimitá-la é essencial para preservar o bem-estar psicológico e a pluralidade de papéis que compõem a vida humana: pai, mãe, filho, amigo, cidadão, profissional.

Nesse sentido, a formação superior do Tecnólogo em Segurança Pública deve incluir reflexões sobre identidade, ética das relações humanas e psicologia social aplicada, preparando o servidor para compreender a si mesmo enquanto sujeito inserido em múltiplos contextos.

Como enfatiza Lima (2022), o equilíbrio entre autoridade e sensibilidade é o que diferencia o servidor mecanizado do agente público consciente, capaz de exercer poder sem desumanizar-se.

Por fim, é necessário reconhecer que o fortalecimento dos laços familiares e comunitários não é incompatível com o exercício da autoridade estatal; ao contrário, constitui um de seus pilares.

A presença de um profissional ético, empático e emocionalmente equilibrado na comunidade gera confiança e cooperação social, reduzindo a distância simbólica entre o Estado e o cidadão.

Assim, cuidar da vida familiar e comunitária do tecnólogo é também cuidar da qualidade democrática da segurança pública, transformando o vínculo entre polícia e sociedade em verdadeira parceria de cidadania.

6. Considerações finais

A análise da vida particular do Tecnólogo em Segurança Pública evidencia que sua função transcende o espaço burocrático ou operacional do Estado, assumindo dimensão ética, humana e simbólica na sociedade contemporânea.

O estudo demonstrou que o exercício da segurança pública, por sua natureza pública e essencial à soberania estatal, impõe ao tecnólogo uma exposição social permanente, que repercute diretamente em sua vida privada, em sua saúde emocional e em seus vínculos familiares e comunitários.

Verificou-se que as fronteiras entre o público e o privado, o profissional e o pessoal, tornaram-se progressivamente mais fluidas.

A presença do servidor nas redes sociais, as exigências de conduta exemplar e a visibilidade constante no meio comunitário compõem um cenário de hiperexposição moral e simbólica, em que cada ação, palavra ou omissão pode repercutir institucionalmente.

Essa realidade demanda prudência comunicacional, ética digital e autogestão emocional, competências que precisam ser incorporadas à formação inicial e continuada dos profissionais de segurança.

Do ponto de vista psicológico, as evidências apontam que o tecnólogo convive com níveis elevados de estresse ocupacional, fadiga emocional e conflitos identitários, derivados da natureza de sua missão e da falta histórica de políticas estruturadas de suporte.

A saúde mental e o equilíbrio familiar, portanto, não podem ser tratados como assuntos individuais, mas como dimensões institucionais da política de segurança pública, diretamente relacionadas à eficiência e legitimidade do serviço prestado.

A família e a comunidade aparecem como núcleos de ressignificação da identidade do profissional, oferecendo suporte emocional e moral, mas também refletindo os impactos das exigências da carreira.

A construção de um ambiente de convivência saudável entre o tecnólogo, sua família e a comunidade é condição essencial para o fortalecimento da confiança pública e da imagem ética da instituição.

Em síntese, a vida particular do Tecnólogo em Segurança Pública é parte indissociável de sua função estatal.

Cuidar de seu bem-estar, promover sua valorização humana e garantir condições dignas de trabalho representam investimentos diretos na qualidade da segurança pública e na consolidação do Estado Democrático de Direito.

A formação desse profissional deve, portanto, ir além da técnica e alcançar a dimensão ética, emocional e relacional, formando servidores conscientes de que a autoridade só é legítima quando fundamentada na humanidade e no exemplo.

O futuro da segurança pública passa, inevitavelmente, por esse novo paradigma: o do profissional reflexivo, ético e emocionalmente equilibrado, capaz de servir à sociedade sem perder de vista a própria condição humana, o que significa, em última instância, proteger a todos, inclusive a si mesmo.

Referências

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