Avanços da LEP e os Direitos das Pessoas Encarceradas: Um Diálogo Necessário

Cláudio TucciAdvogado e professor. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Filosofia do Direito e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista (UNIP).

Introdução

Muito se fala sobre segurança pública, punição e sistema carcerário, mas pouco se discute com seriedade sobre os direitos das pessoas privadas de liberdade. A Lei de Execução Penal (LEP), promulgada em 1984, surgiu como um marco normativo e civilizatório ao estabelecer que, mesmo após a condenação, o indivíduo não perde sua condição de ser humano e, portanto, permanece titular de direitos fundamentais.

A LEP, ao contrário do senso comum, não é uma carta de privilégios ao preso, mas sim um instrumento jurídico que busca garantir a dignidade da pessoa humana, princípio basilar da Constituição Federal de 1988 (art. 1º, III).

2. O Papel Civilizatório da Lei de Execução Penal

A Lei nº 7.210/84 foi criada com o objetivo de regular a aplicação das penas privativas de liberdade e medidas de segurança, promovendo a reintegração social do condenado. Ao invés de enxergar o preso apenas como objeto de punição, a LEP introduz uma perspectiva ressocializadora, conforme explicita seu art. 1º: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”

Entre os avanços mais relevantes, destaca-se o reconhecimento de direitos como saúde, educação, trabalho, assistência jurídica, religiosa, social e contato com o mundo exterior, conforme os artigos 10 a 41 da lei. Esses dispositivos refletem um compromisso com a função social da pena e com a humanização do sistema carcerário.

3. Direitos e Dignidade: Um Diálogo Possível

Não é raro ouvir que “quem cometeu um crime não merece regalias”. No entanto, o que a LEP propõe não são regalias, mas garantias mínimas que permitam ao indivíduo reconstruir sua trajetória fora da criminalidade.

O direito ao trabalho, por exemplo, além de ter função educativa, permite remição da pena (art. 126), e o estudo, garantido inclusive na modalidade EJA e EAD, promove autonomia e prepara o reeducando para o retorno à vida em sociedade.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu o direito à educação como fundamental no cumprimento da pena, reafirmando sua importância para a ressocialização.

Além disso, decisões do STF e do STJ consolidam entendimentos de que a superlotação, a tortura e a ausência de condições mínimas nas unidades prisionais violam os direitos fundamentais e podem configurar responsabilidade do Estado.

4. Desafios e Perspectivas

Apesar dos avanços legais, a realidade prisional brasileira ainda é crítica: superlotação, falta de profissionais, estruturas precárias e dificuldade na oferta de trabalho e ensino são entraves que limitam a eficácia da LEP.

Como destaca Aury Lopes Jr., “a LEP é uma lei avançada, mas extremamente ignorada na prática dos sistemas punitivos estaduais”. Nesse sentido, há necessidade urgente de políticas públicas voltadas ao cumprimento efetivo da legislação, com investimento na capacitação dos servidores, na estrutura física das unidades e na fiscalização dos direitos previstos.

5. Conclusão

A existência da LEP demonstra que o Brasil possui ferramentas jurídicas para garantir dignidade mesmo dentro do cárcere, mas sua eficácia depende da vontade política e da conscientização social sobre o papel da pena.

Não se trata de “passar a mão na cabeça”, mas sim de oferecer condições reais de transformação, para que a pena cumpra seu papel constitucional: proteger a sociedade, mas também reconstruir o ser humano.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional nº 115, de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

Acesso em: 3 out. 2025.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jul. 1984.

STF – Supremo Tribunal Federal. ADPF 347. Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 09.09.2015.

STF. RE 641.320. Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 13.08.2015.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

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