
André Luís Luengo – Doutor em Direito Constitucional e Delegado de Polícia
Resumo
A Metodologia das Ciências Policiais constitui o alicerce científico que orienta a produção e a aplicação do conhecimento na gestão da segurança pública. Fundamentada na interdisciplinaridade, articula saberes do Direito, da Criminologia, da Sociologia, da Administração Pública, da Psicologia e da Ética, permitindo a análise empírica e normativa do fenômeno policial. Esse campo metodológico busca compreender e aprimorar a atuação das instituições policiais sob a ótica do Estado Democrático de Direito, desenvolvendo práticas baseadas em evidências, planejamento e avaliação de resultados. A aplicação metodológica das Ciências Policiais na gestão pública visa à eficiência administrativa, à legitimidade institucional e à integração entre as forças de segurança, conforme os princípios constitucionais e as diretrizes do Sistema Único de Segurança Pública (Lei nº 13.675/2018). Trata-se, portanto, de uma ciência aplicada que alia rigor técnico, responsabilidade ética e gestão estratégica, contribuindo para o fortalecimento da legalidade, da accountability e da confiança social na atividade policial.
1. Introdução às Ciências Policiais
As Ciências Policiais constituem um campo de estudo interdisciplinar que examina a polícia sob a perspectiva científica, englobando a análise do poder de polícia e dos sistemas de segurança pública
A doutrina policial é o conjunto de princípios, valores e normas que orientam e sistematizam a prática policial, baseada em saberes e experiências acumulados pela instituição ao longo do tempo.
As Ciências Policiais são consideradas como um campo interdisciplinar dedicado ao estudo sistematizado da atividade policial, das instituições de segurança pública e de seus impactos sociais, a partir das suas relações com o Estado e a sociedade.
Esse campo articula saberes provenientes do Direito, da Criminologia, da Sociologia, da Administração Pública, da Psicologia, da Ciência de Dados e da Ética, permitindo uma compreensão integrada do fenômeno policial (BATITUCCI; MINAYO, 2017; BAYLEY, 1994).
O objetivo principal é desenvolver modelos de atuação policial e uma visão estratégica para as instituições de segurança pública.
Essa área de conhecimento interdisciplinar busca guiar a polícia em direção à civilidade e ao aprimoramento contínuo, a fim de garantir uma atuação eficaz, alinhada aos princípios do Estado democrático de direito, com modelos de atuação que unam legalidade, eficiência e legitimidade, alinhados aos marcos constitucionais e aos direitos fundamentais.
Segundo Beato (2012, p. 45), trata-se de um “saber aplicado, empírico e normativo, voltado à compreensão e ao aprimoramento das práticas policiais e de segurança pública”.
Do ponto de vista epistemológico, as Ciências Policiais exigem uma perspectiva crítica e reflexiva: não basta reproduzir rotinas, é preciso avaliá-las à luz de evidências empíricas e de parâmetros normativos.
No Brasil, a Constituição de 1988 e a Lei 13.675/2018 (que instituiu o SUSP) orientam a integração federativa, a padronização de procedimentos e a cooperação entre órgãos, promovendo uma segurança pública democrática e baseada em resultados.
1.1 Natureza das Ciências Policiais
A natureza das Ciências Policiais é a de um campo de estudo sistemático e metódico voltado para a segurança pública e a ordem.
Configura-se como uma ciência em construção, que utiliza métodos científicos, como a observação e a experimentação, para analisar o fenômeno policial, buscando consolidar um corpo próprio de conhecimentos, com objeto, método e terminologia definidos.
Essa natureza é multifacetada e dinâmica, refletindo sua posição entre o saber científico, a prática estatal e a experiência social (BEATO, 2012; ADORNO; LIMA, 2004).
Por tratar-se de um campo em formação, busca consolidar uma identidade epistemológica própria, voltada à compreensão da atividade policial como objeto legítimo de estudo e como função essencial à manutenção da ordem democrática (BATITUCCI; MINAYO, 2017).
A seguir, os aspectos epistemológicos e axiológicos das Ciências Policiais que orientam a sua atuação.
1.1.1 Ciência em construção
A natureza das Ciências Policiais é um campo em construção pois embora a prática policial exista há séculos, o reconhecimento e a sistematização científica da atividade Policial como uma disciplina científica autônoma são relativamente recentes.
Esse tema tem ganhado espaço no meio acadêmico e na produção científica, impulsionado pela crescente complexidade dos fenômenos de segurança pública.
As Ciências Policiais configuram uma área de conhecimento em processo de afirmação, que se desenvolve a partir do diálogo entre diferentes tradições científicas e institucionais (MORIN, 2018; LAKATOS; MARCONI, 2017).
Tal caráter emergente exige o aperfeiçoamento de metodologias próprias e o reconhecimento de sua especificidade enquanto ciência aplicada à realidade estatal e social (BEATO, 2012).
Em 2019, o Conselho Nacional de Educação (CNE) reconheceu formalmente as Ciências Policiais como uma área de conhecimento no Brasil, através do Parecer CNE/CES n.º 945/2019 (BRASIL, 2019).
Este reconhecimento, homologado posteriormente e publicado no Diário Oficial da União em 2020, formalizou a inclusão das Ciências Policiais no rol de áreas reconhecidas do conhecimento científico nacional.
1.1.2 Ciência do Estado Democrático de Direito
A “Ciência do Estado Democrático de Direito” aplicada às ciências policiais refere-se a uma abordagem moderna do policiamento que rompe com práticas autoritárias do passado e se concentra na atuação policial em conformidade com a lei, os direitos humanos e o interesse público.
Isso significa que a atuação policial não se resume ao exercício do poder de polícia, mas deve estar alinhada aos limites e garantias previstos na Constituição e nas leis, assegurando o respeito aos direitos fundamentais e promovendo a paz social.
Diferentemente dos modelos autoritários, as Ciências Policiais se estruturam sob os princípios do Estado Democrático de Direito, orientando-se pela legalidade, pela accountability e pela proteção dos direitos humanos.
Conforme ressalta Bonavides (apud BOBBIO, 1995, p. 102), o Estado Democrático de Direito só se consolida quando a legalidade é acompanhada de legitimidade, tornando a função policial um instrumento de garantia dos direitos e da ordem republicana.
A polícia, nesse contexto, deve agir como instrumento da cidadania e da civilidade pública, submetida ao controle social e orientada pelos valores constitucionais e republicanos (BAYLEY, 1994; BITTNER, 1970).
A ciência do Estado Democrático de Direito estuda a organização política e jurídica que combina o império da lei com a participação popular, garantindo direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a justiça social.
Ela se debruça sobre como as ações do Estado são legitimadas por um corpo de leis criado democraticamente, buscando equilibrar a vontade popular com a proteção das minorias e a efetivação de direitos individuais e coletivos.
1.1.3 Transversalidade e transdisciplinaridade
As Ciências Policiais são inerentemente transversais e transdisciplinares, pois para compreender e atuar sobre o complexo fenômeno da segurança pública, elas exigem a integração e o diálogo constantes com diversas áreas do conhecimento.
A natureza das Ciências Policiais é transversal e transdisciplinar, pois integra saberes oriundos do Direito, da Criminologia, da Sociologia, da Psicologia, da Administração e da Ética (ADORNO; LIMA, 2004; BATITUCCI; MINAYO, 2017).
Essa pluralidade metodológica e teórica permite compreender a atuação policial em seus aspectos técnicos, jurídicos e humanos, ampliando sua capacidade analítica e reflexiva (MORIN, 2018).
A transversalidade nas Ciências Policiais refere-se à forma como os conhecimentos de outras disciplinas atravessam e enriquecem o campo, influenciando diretamente a prática e a tomada de decisões.
Já a transdisciplinaridade vai além do simples cruzamento de disciplinas. Ela busca uma unificação do saber, promovendo uma interação tão profunda entre as diferentes áreas que estas transcendem suas fronteiras tradicionais, formando um conhecimento mais holístico para resolver problemas complexos.
1.1.4 Orientação humanista das Ciências Policiais
Trata-se de uma concepção moderna e humanizada de atuação policial, orientada pela ética, pela legalidade e pelos direitos humanos.
Em oposição a uma visão puramente punitiva ou repressiva, essa perspectiva insere a ética, os direitos humanos e o bem-estar social no centro das atividades de segurança pública, reconhecendo a polícia como instituição integrante e corresponsável pela comunidade que protege.
Por lidar diretamente com situações de conflito e proteção social, a atividade policial tem o ser humano como centro de sua atuação.
O foco das Ciências Policiais, portanto, volta-se para a dignidade da pessoa humana e para a gestão ética da força pública, em conformidade com os valores da Constituição Federal (BONAVIDES, 2018).
Tal orientação humanista reafirma a função da polícia como agente de mediação social, comprometido com a justiça e a paz coletiva (BITTNER, 1970; BAYLEY, 1994).
Essa abordagem humanística nas Ciências Policiais representa uma mudança de paradigma. Ela move o foco da simples repressão do crime para a proteção da cidadania, a prevenção de conflitos e a construção de uma relação de respeito e confiança entre a polícia e a comunidade.
1.2 Objeto das Ciências Policiais
O objeto das Ciências Policiais é o estudo sistemático da segurança pública e da ordem pública, com foco na atuação policial voltada à garantia do bem-estar social e à observância da legalidade.
Esse estudo abrange a polícia como instituição, seus métodos e os fenômenos sociais que ela precisa regular e controlar. Abrange um conjunto de práticas, saberes e estruturas que compõem a atividade policial no contexto do Estado Democrático de Direito.
Com base em Beato (2012) e Batitucci e Minayo (2017), pode-se compreender que seu escopo se divide em três dimensões principais:
a) as atividades-fim, voltadas à prevenção, investigação, repressão qualificada, proteção de vítimas e mediação de conflitos;
b) as atividades-meio, que englobam a gestão de pessoas, a administração logística e a análise de dados operacionais; e
c) a relação entre polícia, justiça e sociedade, marcada por processos de cooperação institucional e controle democrático (ADORNO; LIMA, 2004; BAYLEY, 1994).
O objeto de estudo das Ciências Policiais é, portanto, a atividade policial em toda a sua complexidade, compreendida como função estatal legítima voltada à proteção de direitos, à manutenção da ordem pública e à produção de justiça.
1.2.1 A Polícia como instituição
A Polícia é uma instituição estatal que atua na preservação da ordem pública e na proteção de pessoas e do patrimônio. Sua atuação abrange funções administrativas, investigativas e judiciárias, voltadas à repressão de crimes, à investigação criminal e ao controle da violência.
No Brasil, a instituição é dividida em diferentes tipos, como a Polícia Militar (responsável pelo policiamento ostensivo) e a Polícia Civil (responsável pela investigação criminal).
Compreender a Polícia como instituição implica analisar sua estrutura organizacional, processos decisórios, cultura institucional, hierarquia e mecanismos de controle interno, aspectos que definem sua identidade e funcionamento (BAYLEY, 1994; BEATO, 2012).
As suas principais funções e responsabilidades são:
a) Preservação da ordem pública: a Polícia Militar é responsável por garantir a segurança dos cidadãos e do patrimônio, atuando de forma ostensiva para prevenir crimes e infrações, assegurando a tranquilidade social.
b) Investigação criminal: a Polícia Civil tem como atribuição apurar infrações penais, coletando provas, identificando autores e produzindo elementos de convicção para o sistema de Justiça.
c) Proteção: as instituições policiais, em suas diferentes esferas, exercem a função de proteger a população e o patrimônio público e privado, garantindo a integridade física e moral das pessoas.
d) Policiamento: a atuação policial envolve a presença direta nas vias públicas e nos espaços comunitários, promovendo a aproximação com a sociedade, orientando cidadãos e mediando conflitos para fortalecer a sensação de segurança coletiva.
No Brasil, as suas estruturas são:
a) Polícia Militar (PM): força pública estadual responsável pelo policiamento ostensivo e pela preservação da ordem pública, caracterizada pela presença uniformizada e pela ação preventiva.
b) Polícia Civil (PC): exerce as funções de polícia judiciária e de investigação criminal, atuando na apuração de delitos e na elaboração de inquéritos policiais sob direção da autoridade de polícia judiciária.
c) Polícia Federal (PF): órgão de âmbito nacional, responsável pela repressão a crimes federais, como tráfico internacional de drogas, contrabando, crimes financeiros e delitos contra a União, além da polícia judiciária da União.
d) Guarda Municipal (GM): instituição vinculada aos municípios, incumbida da proteção dos bens, serviços e instalações públicas municipais, podendo exercer ações complementares de segurança preventiva comunitária.
A polícia, como instituição, é um órgão do governo, representando a autoridade civil do Estado, responsável por manter a ordem e a segurança pública.
A sua organização e funções variam entre os países, mas o objetivo central é garantir o cumprimento das leis e proteger os cidadãos.
1.2.2 A atuação policial
A atuação policial compreende o conjunto de funções e responsabilidades atribuídas ao Estado para garantir a segurança pública, a ordem social e o cumprimento das leis, envolvendo atividades de prevenção e repressão de crimes, investigação criminal e policiamento ostensivo.
Essa atuação deve estar pautada em princípios fundamentais, como a legalidade, a necessidade e a proporcionalidade, além do respeito aos direitos humanos, tendo como finalidade proteger a população e o patrimônio público e privado.
A atuação policial também se refere ao estudo das operações, técnicas e procedimentos empregados nas atividades investigativas e de policiamento preventivo, abrangendo o exame das competências legais, da proporcionalidade no uso da força e da eficiência na prestação do serviço público (BITTNER, 1970; BONAVIDES, 2018).
As principais funções das instituições policiais são:
a) Preservação da ordem pública: garantir a convivência pacífica e a segurança da população, assegurando o respeito às normas sociais e jurídicas.
b) Prevenção e repressão de crimes: atuar tanto na prevenção de delitos quanto na investigação e apuração de infrações penais, contribuindo para a efetividade da justiça criminal.
c) Policiamento ostensivo: realizar patrulhamento preventivo, operações de fiscalização (como blitz) e outras ações voltadas ao cumprimento das leis e à visibilidade da presença policial.
d) Proteção: proteger a vida, a integridade física, a saúde e os bens dos cidadãos, zelando pela tranquilidade pública e pela redução dos riscos sociais.
A conduta policial deve ser guiada por princípios éticos e jurídicos que assegurem legitimidade e respeito aos direitos fundamentais:
a) Legalidade: o policial só pode agir nos limites da lei, conforme as competências e autorizações legalmente estabelecidas.
b) Necessidade: a ação policial deve ser estritamente necessária para conter ou evitar ameaças reais ou prováveis ao interesse público.
c) Proporcionalidade: a intervenção deve ser proporcional à gravidade da conduta ou do risco enfrentado, evitando o uso excessivo da força.
d) Conveniência: o policial deve avaliar todos os riscos e circunstâncias envolvidos na ação, considerando o bem-estar da coletividade, dos colegas e de si próprio.
e) Dignidade humana: toda atuação deve ser pautada pelo respeito à pessoa humana, à diversidade social e aos direitos fundamentais, preservando a imagem e a confiança da sociedade.
Além das funções tradicionais, a polícia também exerce atividades complementares essenciais ao aprimoramento institucional:
a) Policiamento comunitário: estabelece parcerias com a comunidade, promovendo o diálogo, a mediação de conflitos e a construção conjunta de soluções de segurança.
b) Análise e ciência: utiliza técnicas de análise de dados, estatísticas criminais e metodologias científicas para aprimorar o planejamento e a gestão das operações (BEATO, 2012; MINAYO, 2001).
c) Operações: realiza ações táticas e de rotina, como blitz, mandados judiciais e outras medidas operacionais destinadas à manutenção da segurança pública e à garantia da ordem.
A atuação policial, portanto, traduz a expressão concreta da autoridade do Estado Democrático de Direito, devendo equilibrar eficiência operacional, rigor técnico-jurídico e respeito incondicional aos direitos fundamentais.
O policial é agente garantidor da lei, mas também guardião da cidadania e mediador social na prevenção e resolução de conflitos.
1.3 Métodos das Ciências Policiais
Os métodos das Ciências Policiais envolvem o emprego de técnicas científicas e metodologias de pesquisa aplicadas à investigação e ao policiamento. Compreendem desde o método hipotético-dedutivo, a análise de dados empíricos e os estudos de caso, até o desenvolvimento de abordagens operacionais como aquelas baseadas em suspeita fundada e flagrante delito.
Ferramentas contemporâneas, como análise estatística, reconhecimento facial, georreferenciamento e plataformas de compartilhamento de dados, também são utilizadas para aprimorar a segurança pública, a gestão da informação criminal e a eficiência investigativa.
O método das Ciências Policiais é plural e integrador, combinando abordagens empíricas, voltadas à observação e análise dos fenômenos sociais e criminais, com abordagens normativas, centradas na interpretação jurídica e constitucional que fundamenta a ação estatal (BEATO, 2012; BATITUCCI; MINAYO, 2017).
A esse conjunto somam-se dimensões éticas e deontológicas, indispensáveis para orientar a prática policial conforme os princípios do Estado Democrático de Direito (BONAVIDES, 2018).
Por sua natureza interdisciplinar, as Ciências Policiais recorrem a um repertório variado de métodos científicos com o objetivo de produzir conhecimento aplicado e verificável sobre a atividade policial e seus impactos sociais (BAYLEY, 1994; BITTNER, 1970).
As Ciências Policiais utilizam um conjunto diversificado de métodos científicos, combinando abordagens empíricas, normativas e éticas, de modo a compreender e aprimorar a prática policial dentro do Estado Democrático de Direito.
Para isso utiliza:
a) Coleta e análise de dados: envolve o uso de instrumentos quantitativos e qualitativos, como questionários, entrevistas e levantamentos estatísticos.
Permite identificar padrões de criminalidade, eficiência institucional e percepções sociais da atuação policial.
b) Estudos de caso e observação direta: a análise de situações concretas da prática policial: operações, investigações e programas preventivos e, oferece subsídios para compreender a cultura organizacional e os processos decisórios.
A observação participante e a análise documental são instrumentos fundamentais de investigação empírica (MINAYO, 2001).
c) Abordagem territorial e cultural: considera as especificidades regionais e socioculturais das comunidades, permitindo adaptar políticas de segurança às realidades locais e fortalecer o policiamento de proximidade (ADORNO; LIMA, 2004).
Os métodos das Ciências Policiais expressam a integração entre o saber científico e a prática institucional, buscando equilibrar eficiência operacional, rigor técnico e respeito aos direitos fundamentais.
A aplicação adequada desses métodos possibilita compreender o fenômeno criminal em suas múltiplas dimensões e aperfeiçoar a ação policial como prática legítima, racional e democrática.
1.3.1 Métodos aplicados ao fenômeno criminal
Os métodos aplicados ao fenômeno criminal, fundamentados na Criminologia, fornecem referenciais teóricos e empíricos indispensáveis à compreensão das causas do crime, de suas dinâmicas sociais e dos mecanismos de controle e prevenção.
Esses métodos auxiliam a formulação de políticas públicas de segurança e a atuação policial baseada em evidências científicas, permitindo a análise crítica do comportamento criminoso e das respostas institucionais do Estado.
Assim, empregam-se, entre outros, os seguintes enfoques metodológicos:
a) Análise etiológica do crime: investiga as causas e os fatores condicionantes da criminalidade, considerando dimensões psicológicas, sociais, econômicas e institucionais.
Permite identificar vulnerabilidades, reincidência e desigualdades estruturais que impactam o comportamento delituoso.
b) Estudo do controle social: analisa os mecanismos formais e informais de regulação da conduta humana, como polícia, justiça, família, escola e mídia.
Avalia sua efetividade na prevenção e repressão da criminalidade e suas implicações ético-políticas (GARLAND, 2008).
c) Prevenção e políticas públicas: os estudos criminológicos sustentam a formulação de políticas públicas baseadas em evidências, orientadas à redução da violência e ao fortalecimento da cidadania (BEATO, 2012).
Essas abordagens estimulam a integração entre pesquisa científica, gestão pública da segurança e participação social, consolidando uma atuação estatal racional, preventiva e democrática.
Os métodos aplicados ao fenômeno criminal revelam a interface entre Criminologia e Ciências Policiais, permitindo compreender o crime não apenas como fato jurídico, mas como fenômeno social complexo, inserido em contextos históricos, econômicos e culturais.
Dessa forma, contribuem para a construção de uma polícia científica, analítica e orientada por evidências, comprometida com o Estado Democrático de Direito.
1.4 Interdisciplinaridade e relação com outras ciências
A interdisciplinaridade consiste na integração de conceitos, métodos e técnicas de diferentes áreas do conhecimento para resolver problemas complexos, superando a mera colaboração entre disciplinas.
Ao promover o diálogo entre diversos campos científicos, ela cria novas formas de conhecimento, permitindo que os pesquisadores abordem as questões da segurança pública sob múltiplas perspectivas complementares e convergentes.
As Ciências Policiais configuram um campo de saber em permanente construção, que se desenvolve por meio do diálogo contínuo com distintas áreas científicas (BEATO, 2012; ADORNO; LIMA, 2004).
Essa natureza interdisciplinar possibilita compreender o fenômeno policial não apenas como prática institucional, mas também como expressão social, política e jurídica, inserida no contexto do Estado Democrático de Direito (BAYLEY, 1994; BITTNER, 1970).
A interação entre diferentes saberes amplia a capacidade analítica e crítica dos estudos policiais, aproximando a reflexão teórica da realidade operacional (MORIN, 2018).
Na relação com o Direito, o reconhece como o alicerce normativo das Ciências Policiais, fornecendo as regras que legitimam a atuação das forças de segurança e delimitam o uso da força, o exercício da investigação e a proteção dos direitos fundamentais (BONAVIDES, 2018; BRASIL, 1988).
A perspectiva jurídica possibilita avaliar de que modo a legislação penal, processual e constitucional é aplicada no cotidiano policial, identificando lacunas normativas, dilemas éticos e desafios institucionais (BOBBIO, 1995).
Essa análise reforça o vínculo entre legalidade, legitimidade e eficiência, pilares essenciais da autoridade republicana.
Com a Criminologia fornece um arcabouço teórico e empírico indispensável à compreensão do comportamento criminoso, das causas da criminalidade e das formas de controle social (GARLAND, 2008; BARATTA, 1999).
Enquanto a Criminologia analisa os fatores estruturais, culturais e psicológicos do delito, as Ciências Policiais traduzem esse conhecimento em estratégias concretas de prevenção e investigação (BEATO, 2012).
O diálogo entre ambas fortalece a atuação policial baseada em evidências empíricas, proporcionalidade e racionalidade prática, contribuindo para políticas de segurança pública humanizadas e sustentáveis (BATITUCCI; MINAYO, 2017).
No aspecto das Ciências Sociais, notadamente a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política, oferecem instrumentos conceituais para compreender o contexto no qual a polícia exerce sua função (ADORNO, 2012; WACQUANT, 2008).
Esses campos permitem analisar os fatores sociais, culturais e econômicos que moldam o comportamento institucional, bem como a percepção pública da autoridade policial.
O olhar sociológico e antropológico contribui para uma reflexão crítica sobre as dinâmicas de poder, a violência urbana e as relações entre Estado e sociedade, subsidiando a formulação de políticas públicas de segurança mais participativas e sensíveis à diversidade social (MORIN, 2018; ADORNO; LIMA, 2004).
A relação das Ciências Policiais com outras áreas do conhecimento é essencialmente interdisciplinar, pois envolve a integração de múltiplas perspectivas teóricas e metodológicas voltadas à compreensão de um mesmo objeto: a atividade policial em suas dimensões social, jurídica, institucional e ética.
Essa integração e síntese de saberes possibilita uma visão mais ampla e profunda dos fenômenos relacionados à segurança pública, unindo contribuições do Direito, da Sociologia, da Psicologia, da Administração, da Criminologia e da Ciência de Dados.
A interdisciplinaridade surge, assim, como uma resposta à fragmentação do conhecimento provocada pela especialização excessiva, permitindo superar as barreiras que isolam as disciplinas e comprometeriam uma análise sistêmica das práticas de segurança (SCIELO, 2024).
Ao conectar campos distintos, ela estimula a inovação, produzindo novos saberes, métodos e soluções para problemas complexos que dificilmente seriam resolvidos de forma isolada (REDALYC, 2023).
Além disso, a interdisciplinaridade tem papel decisivo na formação e atualização de pesquisadores e profissionais, promovendo a colaboração entre áreas e incentivando o diálogo permanente entre teoria e prática.
Como destaca a SciELO (2024), a integração entre disciplinas favorece o desenvolvimento de competências científicas e a construção de conhecimento aplicado, especialmente em áreas emergentes como as Ciências Policiais.
Trata-se, portanto, de um diálogo contínuo e dinâmico, sustentado pela reflexão crítica e pela consciência de que as fronteiras entre as ciências são cada vez mais permeáveis.
Essa postura epistemológica, defendida por Redalyc (2023) e SciELO (2024), reforça a necessidade de cooperação e abertura intelectual como fundamentos para o avanço da pesquisa e da prática policial contemporânea.
Referências
ADORNO, Sérgio; LIMA, Renato Sérgio de. Crime, Justiça e Punição no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Contexto, 2004.
ADORNO, Sérgio. Sociologia e violência urbana no Brasil. São Paulo: Edusp, 2012.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
BATITUCCI, Eduardo Cerqueira; MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciências Policiais e a Construção da Segurança Cidadã. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 11, n. 1, p. 12–30, 2017.
BAYLEY, David H. Police for the Future. New York: Oxford University Press, 1994.
BEATO, Cláudio C. Criminologia e Segurança Pública. Belo Horizonte: UFMG, 2012.
BITTNER, Egon. The Functions of the Police in Modern Society. Washington, D.C.: U.S. Department of Health, Education and Welfare, 1970.
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GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2001.
MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2018.
REDALYC. Interdisciplinaridade e integração do conhecimento científico. Cidade do México: Redalyc, 2023. Disponível em: https://www.redalyc.org
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SCIELO. A interdisciplinaridade na formação científica e profissional. São Paulo: SciELO, 2024. Disponível em: https://www.scielo.org
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WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.



