O Crime, as Políticas Públicas e os Discursos Rasos entoados por Cidadãos e Especialistas de Ar Condicionado

Jorge Coutinho Paschoal – Advogado e Mestre em Processo Penal pela USP; Coordenador e Professor do Curso de Tecnólogo em Segurança Pública da Faculdade VP.

Se analisados os últimos 40 anos, verificar-se-á a adoção de políticas criminais díspares, ora pendendo, em alguns casos, para um endurecimento da lei penal, ora para uma (suposta) flexibilização do mesmo rigor. Nem sempre há uma organicidade, dentro da linha de um único entendimento.

Isso porque a política criminal, assim como as próprias políticas públicas, para ser(em) concretizada(s), depende(m) da conjugação de diversos fatores, da concatenação de diversos órgãos, bem como de diversos poderes, sendo que nem sempre existe esta idealizada harmonia. Muitas vezes, a lei é pensada e estabelecida para ter um determinado impacto, na sociedade, mas, depois, por variadas razões, até mesmo por obra do acaso, há uma completa subversão de seus objetivos, seja pela aplicação deturpada, pelo Poder Judiciário, seja, depois, pela sua implementação, no Executivo.

Por exemplo, a lei de execução penal, promulgada em 1984 (LEP), é considerada um marco, do ponto de vista técnico, quase uma lei pensada para os moldes “de primeiro mundo”. Aliás, a maioria das nossas leis tem uma boa (quando não excelente) qualidade. Embora, para alguns, esta lei (LEP) seja a origem de nossos dilemas, ao visar conferir um melhor tratamento aos presos, sendo, por isso mesmo, considerada excessivamente leniente, o que ocorreu, desde então, foi justamente o contrário, na realidade.

Interessante analisar este ponto, pois, embora os críticos da lei de execução penal discorram que ela implementou leniência em relação ao crime ou à criminalidade, ao estabelecer diversos direitos aos presos, na prática, o que se verificou é que estes direitos não foram observados. As prisões não deixaram de ser verdadeiras masmorras, para utilizar termo empregado por um ex Ministro da Justiça, vigendo, ante a inércia do poder estatal, uma política de autogoverno, operacionalizada pelos próprios presos, que, mais adiante, deu ensejo à formação da criminalidade organizada nos presídios.

Este ambiente, em tudo deturpado, representou um caldo de cultura para a formação de facções criminosas, podendo-se citar o PCC, Primeiro Comando da Capital, no interior de São Paulo, constituindo, hoje, uma verdadeira potência, em termos tanto bélico quanto econômico.

E isso, de certa forma, ocorreu tanto tendo em vista respostas simplistas trazidas por uma vertente ideológica mais alinhada ao punitivismo quanto tendo em vista outra concepção oposta, mais liberal ou pretensamente libertária, com as suas soluções igualmente rasas e fáceis, mas incapazes de explicar ou resolver problemas complexos.

Por um lado, a linha punitivista, ao não olhar para a questão carcerária e as condições dos presos, contribuiu para este estado de coisas, pois, onde o Estado não está, o poder paralelo (ou do crime) adentra e domina.

Só a criação de leis penais não resolve, tampouco a previsão de mais crimes, com penas mais severas, se não houver efetividade prática.

Por seu turno, a outra vertente, em tese mais liberal, ao, de certa forma, negar (ou minimizar, em muito) o problema da questão criminal em si, ao ter um discurso padrão de que, em vez de se construírem presídios, dever-se-iam construir escolas (menosprezando a ação do Estado na construção destas instituições penais, necessárias, frise-se, para o bem estar dos próprios presos), também contribui para o exposto, na medida em que aponta falsas premissas ou soluções simplistas para enfrentar a questão complexa da criminalidade, não só organizada como a desorganizada (ou de rua).

O dilema criminal – obviamente, e ninguém nega –, embora não prescinda de políticas sociais/econômicas, deve ser pensado de uma forma ampla, pois não pode dispor de mecanismos e instituições de controle, de prevenção e de repressão (entre as quais as prisões), tudo isso aliado ao investimento e incentivo para agentes e forças de segurança, em regra, muito competentes e sérios, em todo nosso país, mas, não raro, tão injustamente atacados por leigos, quando não por “especialistas” ou “teóricos”, de ar condicionado, no conforto de suas salas, escritórios ou gabinetes, mas que, em geral, não conhecem a realidade que tanto teorizam a respeito.

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