
Cláudio Tucci – Advogado e professor. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Filosofia do Direito e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista (UNIP).
1. Introdução
Quando pensamos em ressocialização, é comum associarmos o termo a programas de trabalho ou medidas disciplinares no sistema prisional. Mas e se o verdadeiro ponto de partida para transformar vidas privadas de liberdade fosse o acesso ao conhecimento? A educação, nesse contexto, não é apenas uma política pública ela é instrumento de liberdade, mesmo dentro dos muros da prisão.
A realidade do sistema penitenciário brasileiro é dura: superlotação, precariedade estrutural e reincidência elevada. Diante disso, pensar a educação como estratégia de reintegração social não é apenas desejável, é necessário. A Constituição Federal de 1988, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e diretrizes internacionais reafirmam o direito à educação como direito humano fundamental, inclusive para quem está em cumprimento de pena.
2. A educação como direito do preso
A Lei de Execução Penal (LEP), em seu art. 17, assegura que “a educação do preso compreende a instrução escolar e a formação profissional do condenado e do internado”. Mais do que uma previsão formal, esse direito deve ser compreendido como parte essencial do processo de dignificação da pessoa encarcerada.
Segundo Brandão (2008), negar o acesso à educação no cárcere é prolongar a exclusão social que, em muitos casos, precedeu a entrada no sistema penal. A maioria dos apenados já chegou ao presídio com histórico de evasão escolar, analfabetismo funcional e vulnerabilidade social extrema. Nesse sentido, ofertar educação é oferecer novas possibilidades de existência.
Além disso, o art. 205 da Constituição Federal determina que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”. Isso inclui, sem dúvida, as pessoas privadas de liberdade.
3. Educação como ressignificação do castigo
Para muitos detentos, participar de um programa de alfabetização ou concluir o ensino médio significa romper com um ciclo de invisibilidade social. Mais do que preparar para o mercado de trabalho, a educação no cárcere devolve ao apenado a condição de sujeito pensante e atuante.
Autores como Foucault (1975) destacam que a prisão foi historicamente concebida como espaço de disciplina e vigilância, e não de reabilitação. Contudo, essa lógica está sendo desafiada por experiências que mostram que o conhecimento transforma identidades e expectativas. Muitos relatos de presos evidenciam que aprender a ler ou escrever muda a relação com o mundo e consigo mesmo.
A educação é também um caminho para a redução da pena. De acordo com o art. 126 da LEP, a cada 12 horas de frequência escolar o preso pode remir um dia de pena, o que fortalece a participação dos internos nos programas educacionais. No entanto, é essencial que essa participação não seja apenas movida por incentivos penais, mas por um processo de despertar da consciência crítica.
4. Limites e desafios estruturais
Embora a legislação seja clara, a prática ainda é desigual. O Infopen (2023) aponta que menos de 15% da população carcerária brasileira está matriculada em programas de educação formal. Faltam espaços adequados, material didático, profissionais capacitados e, principalmente, uma política pública sólida que compreenda a educação prisional como investimento e não como privilégio.
Além disso, muitos educadores relatam a dificuldade em desenvolver métodos pedagógicos eficazes em ambientes com controle rígido, censura de conteúdos e conflitos internos. A ausência de continuidade após a soltura também compromete a efetividade da ressocialização.
5. Considerações finais
Educar é mais do que ensinar a ler e escrever. É oferecer ferramentas para a autonomia, para a reconstrução da autoestima e para a ruptura com o ciclo da criminalidade. No cárcere, onde tantas histórias foram marcadas pela exclusão, a sala de aula se torna espaço de resistência, de recomeço, de reconstrução do ser.
Se quisermos um sistema penal mais justo e eficaz, precisamos apostar na educação como pilar da ressocialização, respeitando os direitos dos presos e reconhecendo sua humanidade. Não se trata de benevolência, mas de compromisso constitucional e social com a construção de um país menos violento e mais justo.
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 34. ed. São Paulo: Brasiliense, 2008.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
Acesso em: 11 out. 2025.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jul. 1984.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1975.



