
Cláudio Tucci – Advogado e professor. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Filosofia do Direito e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista (UNIP).
1. Introdução
Falar de segurança pública no Brasil é, muitas vezes, abordar um tema envolto em tensão, medo e confronto. Mas e se mudássemos a perspectiva? E se a segurança não fosse apenas sinônimo de repressão, mas de proteção, escuta e presença cidadã? É exatamente essa a proposta de uma segurança pública inclusiva, na qual a polícia atua em parceria com a comunidade, como agente mediador, promotor de direitos e não apenas como força de contenção.
Historicamente, o modelo de segurança pública brasileiro se consolidou sob uma lógica militarizada, centrada no enfrentamento e na hierarquia rígida, com pouca abertura ao diálogo com os territórios que atende. Contudo, com o crescimento da violência urbana, da desconfiança institucional e das desigualdades sociais, novos caminhos vêm sendo discutidos, baseados na ideia de que a paz não se impõe, ela se constrói coletivamente.
2. A função social da polícia: do enfrentamento à mediação
O modelo tradicional de policiamento, com foco na repressão e controle, tem se mostrado ineficiente para lidar com conflitos complexos e cotidianos. O estudo “Segurança Pública e Mediação de Conflitos” (2020) ressalta que a efetividade da segurança está diretamente relacionada à capacidade da polícia de interagir, ouvir e atuar de forma preventiva nos territórios. Ou seja, o agente de segurança deve estar preparado não apenas para intervir, mas também para mediar situações sociais com escuta ativa, empatia e conhecimento da realidade local.
Segundo Silva e Pinheiro (2020), o modelo de policiamento comunitário, adotado em experiências exitosas no Brasil e no exterior, tem como pilares a proximidade com a população, a resolução pacífica de conflitos e a valorização do vínculo de confiança. Mais do que proteger, o policial precisa pertencer ao território que patrulha, conhecendo suas dinâmicas, necessidades e lideranças locais.
Essa perspectiva exige uma reconfiguração da formação policial, que deve incluir temas como direitos humanos, psicologia social, comunicação não violenta e práticas restaurativas. A integração com políticas públicas de educação, saúde e assistência social também é fundamental, pois a segurança não se constrói de forma isolada.
3. Desmilitarização e cooperação comunitária
Embora muitos achem um entrave, para essa transição, a estrutura militarizada das polícias estaduais, importante conhecer os argumentos que reforcem essa perspectiva, deixando claro que não vejo essa questão como entrave, mas sim a falta de planejamento estratégico com práticas horizontais e a autonomia do policial para lidar com conflitos com sensibilidade e flexibilidade. A desmilitarização da segurança pública, defendida por autores como Zaverucha (2012), é vista como condição essencial para a construção de um modelo de segurança cidadã, participativo e eficaz.
A Constituição Federal de 1988, no art. 144, estabelece que a segurança pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. Esse trecho é revelador: o cidadão não é apenas um beneficiário, mas um protagonista na produção da segurança. Isso exige transparência, participação popular, controle social e a valorização da cultura de paz.
Experiências internacionais mostram que comunidades que constroem conjuntamente estratégias de segurança com as forças policiais conseguem reduzir índices de violência, fortalecer a confiança e promover a cultura de convivência. No Brasil, iniciativas como o Pacto pela Vida, em Pernambuco, ou o Território da Paz, no Pará, são exemplos de tentativas de articulação entre Estado e sociedade.
4. Considerações finais
Segurança pública inclusiva não é apenas uma política pública é um projeto de sociedade. Exige que abandonemos a visão da polícia como força de guerra e passemos a enxergá-la como instituição de cuidado e proximidade, capaz de dialogar, compreender e proteger a população sem violar seus direitos.
A integração entre polícia e comunidade, com base na mediação de conflitos, não é uma utopia. É um caminho concreto e urgente diante da crise de legitimidade enfrentada pelas instituições de segurança. Para isso, é preciso coragem política, formação continuada dos agentes, fortalecimento das redes comunitárias e vontade de construir pontes onde antes havia apenas muros.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 144. Disponível: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
Acesso em: 11 out. 2025.
SILVA, A. F.; PINHEIRO, L. M. Segurança Pública e Mediação de Conflitos: um novo paradigma para a polícia brasileira. In: Segurança Pública e Mediação de Conflitos. São Paulo: Escola de Governo, 2020.
ZAVERUCHA, Jorge. Desmilitarização da segurança pública no Brasil: um caminho para a cidadania. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 94, p. 273–296, 2012.



