
Adriana M Nunes Martorelli – Advogada. Doutora IPQ/USP, Pós-doutora FEUSP, Professora do Curso de Segurança Pública da Faculdade VP.
Apresentação
A operação policial ocorrida nas favelas do Rio de Janeiro no último dia 28 de outubro de 2025, é tema complexo, envolto em diversos fatores que devem ser levados em consideração e ponderados com cautela, antes de se concluir sobre o impacto acarretado, dada a consequência nefasta revelada pelo número de mortes resultantes, sendo vítimas civis e das forças policiais.
Segundo matéria publicada no Jornal Gazeta do Povo[1], “sobre a percepção da população do Rio de Janeiro em relação à mega operação policial da semana passada , mostra que a maioria dos entrevistados apoia enquadrar as organizações do crime organizado ao terrorismo.”
E, continuando, a matéria jornalística informa que:
Segundo a pesquisa, 72% dos entrevistados são a favor dessa tipificação, enquanto apenas 23% são contra e 5% não souberam ou preferiram não responder. Destes, mais de 90% dos eleitores de direita são favoráveis, enquanto a esquerda se divide.
A Quaest ouviu 1,5 mil pessoas entre os dias 30 e 31 de outubro em 40 municípios do estado do Rio de Janeiro. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%.
Entretanto, há fatores sociais, econômicos e políticos delineando a vida na bela cidade carioca palco dos trágicos acontecimentos, pois há décadas vem ocorrendo um evidente e significativo aumento da violência associada ao tráfico de drogas, à atuação dos criminosos organizados em facções e milícias, que ao longo da história vem ocupando territórios e impondo rígido controle sobre os civis que compõem a comunidade.
O relato na matéria do G1 [2], expressa os fatos com a dramaticidade necessária a ilustrar a tragédia decorrente de trocas de tiros oriundas de armas de alto calibre, dignas de exércitos presentes em campos de guerra, usada por ambos os oponentes:
Ainda era de madrugada de terça-feira, 28 de outubro, quando 2.500 policiais civis e militares chegaram aos complexos da Penha e do Alemão. À medida que os agentes avançavam, o tiroteio se intensificava.
Imagens exclusivas feitas pela inteligência da polícia mostram os bandidos fortemente armados reunidos bem no alto do morro (veja acima). Quase todos vestiam roupas pretas ou camufladas. E à medida que o tiroteio avançava, eles corriam para se esconder no topo da mata da Serra da Misericórdia.
A descrição contida no texto da matéria jornalística, informa:
Enquanto os bandidos fugiam, a polícia avançava por várias entradas dos complexos. Equipes do BOPE, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, entraram pelo Complexo do Alemão e fizeram uma barreira na mata que dá acesso ao Complexo da Penha. Já o Batalhão de Choque entrou pela Vila Cruzeiro, uma das favelas do Complexo da Penha, e do outro lado entraram os agentes da Polícia Civil.
Dentre os repórteres especializados em acompanhar e noticiar confrontos desta natureza, estavam Marcello Dórea e Jadson Marques[3], segundo os quais:
“A polícia ia progredindo e tiro por tudo que é lado. Nunca vi tanto tiro na minha vida, informou Marcelo.”
“Quando conseguiram tirar o delegado, eles tiveram que improvisar um pedaço de madeira, amarrar um tipo de tipoia, que eles dão o nome, na perna, para poder tentar amenizar o ferimento. E mesmo assim, os tiros não paravam, continuavam os tiros, no meio do resgate ainda”, contou Jadson.
A narrativa do drama social continua nas informações prestadas pelos dois jornalistas referidos, que testemunharam quando:
Enquanto isso, do outro lado, no alto do Complexo da Penha, o drone da polícia registrou mais um confronto. Um grupo de seis policiais chegou ao início da mata. Eles se aproximaram e, de repente, pareceram se deparar com um grupo de bandidos, sendo atacados com dezenas de tiros. Dois policiais caíram no chão e se arrastaram para se proteger; um deles foi ferido na mão e o outro na barriga, chamando reforço por telefone.
2.As favelas do Rio de Janeiro
As favelas do Rio de Janeiro são historicamente marcadas pela exclusão social e econômica. Com uma população que muitas vezes vive em condições precárias, essas comunidades se tornaram alvo de ações policiais que visam combater a criminalidade. No entanto, há controvérsias na forma como essas operações são conduzidas, gerando fundadas críticas quanto ao uso excessivo da força, falta de planejamento e coordenação das ações e o alto impacto negativo causado na vida comunitária, estigmatizada pela convivência próxima com as práticas criminais e a marginalidade.
Tais fatores acarretam baixa confiabilidade da população nas Forças de Segurança Pública, inibindo alianças de cooperação entre comunidade e polícia, reduzindo a possibilidade de se desenvolver boas práticas preventivas que possam evitar ocorrência de conflitos armados
Como não bastasse, para além das questões envolvendo vulnerabilidade social e econômica destas comunidades, operações policiais desta magnitude causam consequências psicológicas decorrentes do trauma provocado pela violência e pelo estresse contínuo, impactando a saúde mental dos cidadãos, especialmente crianças e adolescentes.
3. Críticas às operações
Uma das críticas mais contundentes é a de operações policiais são realizadas à margem da lei e acarretam violações dos direitos humanos, dadas abordagens violentas, assassinatos de civis, prisões arbitrárias, tortura, gerando um clima de impunidade e desconfiança nas forças de segurança.
Segundo especialista em segurança pública, o pesquisador e vice coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Relações de Gênero do campus da Unesp em Assis, o professor Cláudio Edward dos Reis[4]:
“Em linhas gerais, nenhuma operação policial que produza tantas mortes pode ser classificada como exitosa”, diz. “Pelo contrário, é um desastre que revela o fracasso das políticas de segurança pública, e que vitima a população mais sofrida.”
As críticas às operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro refletem uma preocupação com a eficácia e a ética dos métodos utilizados. Para que haja uma real melhoria na segurança e na qualidade de vida dessas comunidades, é essencial considerar abordagens mais humanas e integradas, que respeitem os direitos dos cidadãos e promover o desenvolvimento social.
4. Combate cultura criminal na comunidade
Por outro lado, não se pode ignorar o fato de que a violência, relacionada ao crime organizado, ao tráfico de drogas e de armas, ao se tornar parte da cultura local, termina por normalizar comportamentos agressivos e violentos, adotados justamente para viabilizar a ocupação territorial e exercer o controle da vida comunitária, prática já detectada, a qual deve ser veementemente combatida e erradicada, pois uma organização paralela não pode ter vida longa, nem impor suas próprias regras no território , se estruturando dentro e em confronto com o Estado, cuja soberania e segurança deve ser defendida em todas as esferas de poder, conforme dispõem o art. 144 da Constituição Federal[5]:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
II – Polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
V – Polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI – Polícias penais federal, estaduais e distrital.
O artigo 144 da Constituição Federal é muito preciso ao determinar que a segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos, devendo ser exercida para a preservação da ordem pública e a incolumidade de pessoas e do patrimônio.
Em mesmo artigo, a Constituição estabelece competências e a estrutura das diversas forças de segurança, que se organizam em Polícia Federal, as Polícias Civis, as Polícias Militares, os Corpos de Bombeiros Militares, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal e as Guardas Municipais.
5.Propostas de melhorias
Para combater o avanço da criminalidade organizada e miliciana, é preciso implementar políticas de inclusão social, investindo em educação, saúde e infraestrutura dentro e fora das favelas, campo onde a população deve contar com o policiamento comunitário, visando construção da relação de confiança entre a polícia e a comunidade como estratégia para reduzir a criminalidade, processo que, para ser construído, deve se dar por instrumentos aptos a abertura do diálogo dentro do campo da mediação dos conflitos entre governo, comunidade e organizações não governamentais, que podem contribuir para soluções eficazes e pacíficas.
Conclusão
A violência relacionada a presença do crime, organizado em facções criminosas, que alimentam o tráfico de drogas e armas nas favelas do Rio de Janeiro, não é apenas uma questão de segurança, mas um fenômeno social complexo que afeta profundamente a vida dos moradores. Abordar esses desafios requer não apenas uma resposta de segurança, mas também estratégias abrangentes de desenvolvimento social e econômico que procurem restaurar a confiança, promover a inclusão e construir comunidades mais resilientes.
[1]Disponível: https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/quaest-maioria-dos-fluminenses-apoia-enquadrar-crime-organizado-ao-terrorismo/;Acesso:03.11.25
[2] Disponivel:https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2025/11/02/megaoperacao-no-rio-imagens-ineditas-mostram-criminosos-fortemente-armados-rendicao-de-suspeitos-e-resgate-de-policiais-feridos.ghtml.Acesso:03.11.25
[3] Disponivel:https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2025/11/02/megaoperacao-no-rio-imagens-ineditas-mostram-criminosos-fortemente-armados-rendicao-de-suspeitos-e-resgate-de-policiais-feridos.ghtml.Acesso:03.11.25
[4] Disponivel:https://jornal.unesp.br/2025/10/29/grande-numero-de-mortos-indica-que-operacao-em-complexos-de-favelas-do-rio-de-janeiro-nao-pode-ser-chamada-de-sucesso-avalia-docente-da-unesp/;Acesso:03.11.25
[5] Disponivel:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm;Acesso:03.11.2025



