
Jorge Coutinho Paschoal – Advogado e Mestre em Processo Penal pela USP; Coordenador e Professor do Curso de Tecnólogo em Segurança Pública da Faculdade VP
A Escola Positiva nasce no contexto da vertente ideológica do Positivismo, de Comte, que se disseminou pela ciência em geral, a qual visava pautar o conhecimento, o estudo e as formas de conhecer ao que se vê, ao dado sensível da realidade em si.
Trata-se da discussão (que nunca sai de moda), em Filosofia do Conhecimento, quanto ao eterno debate entre os que acreditam que a realidade se ensina, criando o intérprete, entretanto, a verdade que estuda (ou melhor, em alguns casos, ensina a sua convicção sobre a realidade, que, depois, não raro, quer impor aos demais)[1] ou a vertente que expõe que a realidade apenas se descreve, se apreende, impondo-se ao estudioso[2].
Obviamente, a descrição da realidade, ou a ciência em si, a pretexto de explicar algum fato ou fenômeno, incide em muitos erros, sendo que o verdadeiro cientista é aquele que tem a mente aberta para as constantes revisitações de suas teorias.
Visto este pano de fundo, e bem situado, na história, o marco ideológico em que inserida a Escola Positiva, no que concerne ao estudo da criminalidade, o ponto é que o crime não mais seria uma abstração, ditada pela lei, mas existiria ontologicamente.
A lei pouco (ou nada) diria a respeito do crime; um dos seus objetos de estudo, considerando a análise criminológica, diz respeito, entre outros, a respeito da causa do crime; e a causa do crime, para o positivista, estaria justamente no criminoso, o ente mais visível do fenômeno infracional. A causa do crime, para os positivistas, estaria no criminoso, que agiria segundo uma concepção determinista.
O crime não seria um fenômeno jurídico, mas próprio das ciências naturais.
Na Escola Positiva, o criminoso, primeiramente, foi analisado sob o ponto de vista biológico, tido, para as concepções da época, como um ser primitivo, atávico, refém de sua condição. O delinquente, em síntese, era visto como um ser doentio.
Para esta vertente, a deformação criminosa, não raro, seria de ordem hereditária, de forma que o indivíduo seria levado a praticar o crime, não havendo, propriamente, um livre arbítrio[3]. Diferentemente da Escola Clássica (assim chamada pelos positivistas, com tom de deboche), a vertente positiva, muito influenciada pelo Darwinismo, pelo cientificismo da época (ou pseudo cientificismo) parte da premissa de que as pessoas delinquem não porque seriam livres, mas porque estariam fadadas às suas inclinações, seja por fatores internos (biopsicológicos), seja por fatores externos (fatores sociais[4]), contrariando a ideia de um livre arbítrio, rechaçando o utilitarismo da Escola Clássica.
A Escola Positiva vem inaugurar o período dito “científico” da Criminologia (conforme a lógica das ciências naturais da época, tão em voga[5]) com a publicação do livro “O homem delinquente”, em 1876, por Cesare Lombroso[6], alicerçado no estudo da anatomia de diversos criminosos, elencando características comuns a eles que, se presentes em alguém, poderiam indicar que determinada pessoa poderia ser criminosa.
Com base na teoria da evolução das espécies, na linha da concepção de Lombroso, vê-se na figura do criminoso alguém não tão evoluído, preso a determinantes hereditárias e/ou biológicas, que o condicionariam a ser um infrator, de forma inexorável, tendo, para tanto, certas características fisionômicas, catalogadas pela frenologia, ou pela cranioscopia, tais como a análise do tamanho das mãos, dos braços, uso de barba, projeção do tórax, sendo tudo isso levado em consideração; listavam-se a presença de sobrancelhas salientes, bem como de mandíbulas volumosas, ou canhotismo, ou assimetrias cranianas.
Na verdade, dada a vastidão de características elencadas, quaisquer dos caracteres listados acima poderiam ser vistos em qualquer pessoa.
Falava-se muito do criminoso nato, um ser portador do componente atávico, ou pela sua involução ou sua doença, apontando-se, à época, a epilepsia. Seria portador de estigmas, sinais anatômicos, psicológicos ou comportamentais, que denotariam o seu status de criminoso. Chegavam a defender até mesmo a suposta superioridade dos homens sobre as mulheres, estipulando um peso diferenciado para os cérebros de ambos.
O Positivismo, em uma análise mais aprofundada, valeu-se das pseudociências da época, sendo que não foi, propriamente, inovador neste ponto, porque estas mesmas ideias já existiam e vinham sendo disseminadas por outros diversos Autores e cientistas de então, tendo, contudo, organizado todas estas concepções, para fundar a sua própria linha de pensamento, de forma a estabelecer padrões de criminosos.
Frente a esta sistematização, Lombroso defendia que o crime é um fenômeno biológico[7], esboçando a concepção de um criminoso nato, refém do atavismo, trazendo características que já deveriam ter sido extintas, considerando a evolução do ser humano.
Ao longo de sua vida, Lombroso mudou bastante a sua teorização original e chegou a conclusões diferentes das inicialmente formuladas por si, sendo que não haveria apenas um tipo de delinquente (o natural), mas sim vários. Associava a criminalidade a uma espécie de loucura. Contudo, também via no criminoso alguém bastante frágil, que precisava de ajuda.
Muito embora possa parecer que Lombroso fosse alguém insensível, aos olhos de hoje, muitos Autores, grandes estudiosos de sua obra, chegam à conclusão que, de fato, ele tinha uma preocupação genuína com as pessoas que delinquiam, procurando teorizar uma forma de tratamento que melhor “tutelasse” os infratores, aliando esta preocupação à proteção da sociedade, embora, de fato, suas construções referendassem concepções preconceituosas, sustentando até mesmo a superioridade entre povos e pessoas.
Lombroso tratou de muitos assuntos, inclusive sobre o fanatismo político, ao abordar os anarquistas e os crimes praticados por motivação política, por pessoas que estariam quase que em um estado de histeria, antecipando-se a Freud.
Ao final de sua vida, curiosamente, chegou a se converter o Espiritismo[8].
O Cientista ardoroso, Defensor do Cientificismo, considerado também o Pai da Criminologia, diante de evidências pessoais que julgou inquestionáveis no que concerne ao fenômeno do campo do conhecimento que não poderia ser visto ou (racionalmente) explicado, passou a defender o Espiritismo.
De fato, também por isso, vemos se tratar de um ser humano correto e sério, pois não tinha medo de defender suas (velhas ou novas) concepções, ainda que corresse o risco, sobretudo à época, de cair no descrédito, ou mesmo no escárnio, sendo, ainda hoje, tão mal compreendido e criticado, não raras vezes, de forma injusta, pois muitos de seus críticos não levam em conta o contexto histórico da sua época, em tudo diferente de hoje.
[1] Por esta concepção, o sujeito cognoscente participaria da explicação do dado a ser estudado, quando não criaria a realidade em si.
[2] Por esta linha de pensamento, o sujeito cognoscente não participa de nada, nem deve participar, ativamente, da criação/explicação das coisas que analisa e do mundo à sua volta, sob pena de a ciência perder sua credibilidade e neutralidade
[3] Em parte, esta visão, conforme anota a doutrina especializada sobre o assunto, de forma pacífica, é parecida com a vertente correcionalista, a qual considerava o criminoso como um indivíduo anormal, portador de uma vontade reprovável, tratando-se, entretanto, de um ser considerado inferior, que não conseguiria usufruir da confiança, para gozar da liberdade. Seria um ser inferior, necessitando de ajuda do Estado. Não seria, propriamente, uma pessoa má, mas sim portadora de uma espécie de deficiência, que, pelas limitações, necessitaria da “ajuda” do Estado.
[4] Os fatores externos são melhor explorados em Enrico Ferri.
[5] A etapa pré-científica da criminologia vai desde a Antiguidade até a Escola Clássica, que marca o início da fase científica, embora haja controvérsias a respeito. Na fase pré-científica, a criminologia era marcada por uma abordagem mais superficial do fenômeno criminal. O estudo se fundamentava (também) em pseudociências, que usava argumentos baseados em fatores místicos e religiosos, ligados à expressão demoníaca. Até mesmo o clima era utilizado para explicar a delinquência ou a presença mais presente ou não de determinados tipos de delitos em certas regiões. Temos também a fisiologia, baseada na aparência do indivíduo ou da cranioscopia/frenologia, que foram estudos utilizados pela Escola Positiva.
[6] Também tratou da mulher delinquente, na obra A mulher delinquente, tratando, sobretudo, da “prostituta” (na verdade, mulher em situação de prostituição) e a mulher “normal”, em obra de 1893, trazendo várias concepções misóginas sobre a mulher, apontando a figura da prostituta como sendo a mulher delinquente por excelência. Discorria sobre a pretensa emotividade da mulher em geral, da suposta histeria, ou mesmo da descrita esperteza, em alguns assuntos, ou sobre a alegada volúpia, como sendo dados demonstrativos, a seu ver, da sua involução frente à figura masculina. Obviamente, Lombroso tem que ser analisado à luz de sua época, não podendo ser julgado ou demonizado, considerando uma sociedade e uma cultura situadas em outro momento histórico, e em um mundo diferente, considerando também a era Vitoriana.
[7] Com base nestas mesmas ideias, houve até mesmo a pregação quanto à esterilização eugenista, aplicada a criminosos contumazes e estupradores, com o objetivo de evitar a procriação, sendo sustentada, no início do século XX, como forma de controle social por correntes criminológicas derivadas do pensamento positivista.
[8] A respeito: MOTA JÚNIOR, Eliseu. Lombroso e o espiritismo. Site Migalhas. In: https://www.migalhas.com.br/depeso/77162/lombroso-e-o-espiritismo



